Integridade

OPINIÃO27.05.202206:55

Pode tolerar-se que profissionais do futebol brinquem com a falta de respeito?!

A impossibilidade física de ter escrito esta minha opinião na última sexta-feira não me fez esquecer (e por uma questão de princípio, acreditem, não posso deixar de comentar) o comportamento que alguns jogadores do FC Porto tiveram por entre as várias celebrações do mais que merecido título de campeões nacionais de futebol.

«A primeira condição de um profissional é ser uma pessoa íntegra», escreveu, há dias, esse filósofo do futebol que é Jorge Valdano, argentino campeão do mundo em 1986, companheiro de muitas das vidas de Maradona, antigo jogador e treinador do inigualável Real Madrid. E a integridade de que fala Valdano não diz apenas respeito à seriedade profissional. Integridade trata também de respeito, lealdade, ética, dignidade e correção no comportamento. O que mais uma vez o País pôde, infelizmente, assistir não deve ser tolerado por quem regula, orienta, organiza e define o futebol profissional em Portugal.

Não foi a primeira vez (não será a última, se nada for feito) que jogadores do FC Porto escolheram entoar cânticos de insulto a um dos clubes rivais (o Benfica), insultando não apenas os profissionais da Luz como também os adeptos.

A diferença é que desta vez o cenário mudou e o requinte também. Foi na intimidade de uma festa caseira, com o requinte de ser exposto pelos próprios nas redes sociais para que todos vissem a dureza, personalidade e força dos mauzões.

Pelo espetáculo montado, parece evidente a autoria e liderança do jogador do FC Porto Otávio na ofensa ao Benfica, e pelo que se pode ver no vídeo o companheiro Fábio Cardoso, por exemplo, jogador formado nas escolas do Benfica, parece até constrangido a fazê-lo ao ponto de o parecer fazer para não ficar mal na fotografia, como aqueles miúdos na escola que se sujeitavam, por vezes, ao que não queriam, apenas para não serem considerados os fraquinhos da história.

Ora Otávio escolheu, sim, ser o rufia. E podia ter escolhido ser o rufia na privacidade da sua casa, ninguém tinha nada a ver com isso, podia insultar quem ele quisesse e seria, quando muito, um problema apenas da própria consciência, e dar-se ou não bem com ela. Mas não.

Otávio escolheu ser o rufia’ e escolheu mostrá-lo a toda a gente. Foi uma escolha consciente. Não estava no calor do jogo, não estava em descontrolo emocional pela competição, não tinha os nervos à flor da pele nem a cabeça quente.

Fez uma escolha. E fez uma escolha absolutamente gratuita. Quis insultar por insultar, porventura por achar que entre os seus vai ser visto como o corajoso que defende a honra azul e branca contra os malefícios de um dos clubes rivais.

Mas, lá está, podia ter-se dado por satisfeito com esse impulso de má conduta e deixá-lo na privacidade de casa. Ao exibi-lo, como um troféu, nas redes sociais, sabe (infelizmente) que cairá bem nos adeptos do seu clube e apenas mal nos adeptos do clube rival. Mas, queira ou não, chocou de frente com a tal integridade de que falou Valdano.

É um problema de caráter? Não sei se é um problema de caráter, se um problema de meio, de contexto, de cultura do clube onde se vive. Não posso, aliás, deixar de rir quando vejo querer-se comparar o que fez, agora, Otávio e seus companheiros (e fizeram antes, outros anos, outros jogadores do FC Porto, noutras celebrações, é bom não o esquecermos) com o que fazem adeptos dos clubes, como se a responsabilidade de um profissional de futebol fosse exatamente igual à do público no que diz respeito à defesa da ética e da integridade da profissão.

Sei ainda que se ignorarmos o que mais uma vez sucedeu, se o tolerarmos, se assobiarmos para o lado e fingirmos que nada se passou, é não sabermos, também, distinguir o digno do indigno, a ética da falta dela, o bom e o mau comportamento, e seremos, então, todos, responsáveis também pela atitude, pelo clima, pela atmosfera negativa que tanto nos devíamos esforçar por banir do futebol.

Não nos faltam, lamentavelmente, maus exemplos, como este, agora, envolvendo Otávio, e pelo menos dois companheiros de equipa (Manafá e Fábio Cardoso, mais visíveis nas imagens divulgadas), e na ausência de uma posição clara do próprio clube - já nem falo de um qualquer processo interno ou eventual multa -, creio que devemos todos esperar que os reguladores do futebol em Portugal tenham, no mínimo, a nobreza de mostrar claramente de que lado estão, se do lado do futebol positivo, se do lado do futebol azedo.
Por muito menos (apesar da brincadeira de mau gosto com o companheiro Mendy, mantenho a opinião que então tive oportunidade de expressar) o internacional português Bernardo Silva foi claramente castigado em Inglaterra (um jogo), ainda multado, imagine-se, em mais de 50 mil euros, e forçado a assistir a um curso educacional.


NA VERDADE, NA EDUCAÇÃO, O EXEMPLO É TUDO!  

ESCOLHEU o selecionador Fernando Santos manter a ideia de voltar a convocar Otávio para a Seleção, que inicia já em junho a participação na terceira edição da Liga das Nações. Tem todo o direito Fernando Santos de o chamar e tem o direito Otávio de ser chamado.

Fernando Santos lá saberá as linhas com que se quer coser. Fernando Santos sabe melhor do que ninguém - até pelo caráter nobre que tem - como a Seleção deve ser, também, um exemplo de valores e integridade, de respeito, lealdade, dignidade profissional e bom espírito de competição.

Mas também sabe que, sendo a Seleção a habitual equipa de todos nós, muito portugueses não quererão, seguramente, ver-se representados por atletas que parecem não saber distinguir a brincadeira da falta de respeito.

Volto a Jorge Valdano, para sublinhar, a propósito, o que ele também questiona, na última crónica semanal neste jornal: «Por que razão nos custa tanto reconhecer a honra e a ética?»


DÁ QUE PENSAR, NÃO DÁ?!  

C HEGOU, entretanto, a Portugal o novo treinador do Benfica, o alemão Roger Schmidt. Não sou, por natureza, muito dado a alemães, confesso, apesar de ter nascido na Alemanha, por obra e graça de circunstâncias ditadas pela família. Tenho, por norma, e porventura injustamente, a ideia de que os alemães são pouco simpáticos (para ser simpático), arrogantes, fechados, pouco hospitaleiros, e com um certo complexo de alguma superioridade, o que curiosamente parece agravar-se à medida que vamos deixando os principais centros urbanos. Foi, pelo menos, o que resultou de algumas das experiências pessoais vividas no mais forte e poderoso país da Europa comunitária.

Germanofobias à parte, já aqui defendi, no entanto, o que me parece ter sido uma boa escolha do presidente do Benfica para treinar a equipa, em teoria, nas próximas duas épocas, porque parece consensual a ideia de Roger Schmidt ser um treinador competente e com uma entusiasmante ideia de jogo, mas também por julgar ser melhor para o Benfica, nesta fase, um treinador estrangeiro, capaz de se abstrair do ruído às vezes absolutamente ensurdecedor em que se transformou, em muitos aspetos, o debate do futebol em Portugal.

Roger Schmidt chegou simpático e com vontade de causar uma boa impressão, e bem sabemos como são importantes as primeiras impressões, porque só há realmente uma primeira vez para causar uma boa primeira impressão.

Despertou-me, por outro lado, o que já disse, entre outras coisas, o treinador alemão do Benfica: «O futebol é muito mais do que o que se passa no relvado, é importante perceber o que está dentro da cabeça das pessoas, como elas se vão sentindo e o quão se sentem ligadas à equipa.»

Pois bem, absolutamente de acordo que o futebol é muito mais do que aquilo que se passa no relvado, e absolutamente de acordo que são as ligações o mais importante para se construir uma equipa de sucesso.

Mais do que escolher bons jogadores e pô-los a jogar um futebol entusiasmante, esse, sim, é o grande desafio de Roger Schmidt e de qualquer treinador, o de conseguir criar ligações entre atletas, entre atletas e o resto do grupo de trabalho, e entre todo o grupo e os adeptos. E isso é, perdoem-me a ousadia (não sou, nem tenho a mania que sou treinador de futebol), mesmo o mais difícil. Foi, no essencial, o que Sérgio Conceição foi conseguindo construir no FC Porto e foi isso que Rúben Amorim trouxe, também, ao Sporting.

No caso do FC Porto, porque é, com todo o mérito (independentemente de qualquer outra consideração) de novo o campeão português e de novo o vencedor da Taça de Portugal, Sérgio Conceição não tem, realmente, mostrado saber apenas de futebol, mas sim, e muito, de balneário, de grupo, de químicas, de laços, de espírito.

Não há campeões sem verdadeiro espírito de grupo e sem verdadeira cumplicidade, por muito bom futebol que sejam os jogadores capazes de jogar.

PS: Ao contrário dos árbitros portugueses, por exemplo, José Mourinho exemplifica competência e carisma. O resto é conversa!