Impugnas tu ou impugno eu?
A tão desejada retoma do futebol está aí à porta. Depois de quase três meses de indefinição, de muitas perguntas e muito poucas respostas, parece não haver volta a dar: o campeonato português vai voltar já depois de amanhã. Quarta-feira marca o último episódio de uma novela que nos manteve presos aos sites, aos jornais, às televisões, enfim, a todos os meios que nos iam tentando manter informados (e tão difícil que foi, caro leitor, mantê-lo bem informado) sobre tudo o que se ia passando neste nosso futebol que tanto gosta de dramas. Foram vários (os dramas, entenda-se...) ao longo destas intermináveis semanas.
À frente de todos, claro, a incerteza sobre se a Liga iria, mesmo, regressar. Sei que a mensagem passada para o exterior foi quase sempre de otimismo, mas acho que podemos, agora, admitir que ninguém teria - pelo menos até ao anúncio oficial de António Costa de que permitiria o regresso do futebol em finais de maio - assim tanta certeza de que, de facto, aconteceria. Julgo poder até dizer que nos valeu, nesse período de indefinição, uma coisa (e uma coisa só): um Governo que percebeu a importância do futebol, tanto a nível económico como social, e que, talvez por isso, ao longo deste período, em especial ao longo das últimas duas semanas, fechou os olhos à esquizofrenia tão própria dos nossos clubes e permitiu - mesmo quando alguns pareciam dispostos a quase tudo para que isso não acontecesse... - que aqui chegássemos com as esperanças de regresso intactas. Foi, convenhamos, preciso paciência.
Chegámos, eu sei, a pensar que talvez a pandemia pudesse, no meio de toda a devastação, deixar alguma coisa de positivo. Mas esta novela constante que é o futebol português não admite, já devíamos saber, argumentos com finais felizes. Não. Por cá futebol sem confusão não é futebol. E claro que, confirmado o regresso (até aí estavam todos a representar...), tratou-se logo de arranjar uma série delas. Primeiro a questão dos estádios, que passaram, entre ameaças de impugnação, de seis para 17; depois a questão das viagens à Madeira, que primeiro não eram permitidas mas afinal, face a uma ameaça de impugnação, acabaram por ser admitidas; depois, claro, um pedido de impugnação no TAD da decisão de encerrar a Liga 2 apresentado por um clube... de Liga; e, para fechar em beleza, novas ameaças de impugnação impediram que os treinadores usem as cinco substituições até que essa regra seja aprovada em AG da Liga.
Vamos esquecer, por agora, que três destes dramas foram criados pelo mesmo clube. Foquemo-nos, para já, apenas no facto de não haver, entre os 18 emblemas da principal liga do futebol português, confiança suficiente para aprovar uma medida que, goste-se ou não, seria sem dúvida útil a todos os seus treinadores numa altura em que as equipas regressam depois de uma paragem forçada de quase três meses, com todas as implicações que isso acarreta para a saúde física dos jogadores com quem os 18 clubes têm contrato. Todos concordaram que seria uma solução benéfica. Mas depois houve, claro, quem começasse a olhar de soslaio e a pensar que se calhar haveria ali ao lado quem tinha dado o sim só para depois, se as coisas corressem mal, dizer que era, afinal, tudo ilegal. A pergunta é óbvia: como queremos que os clubes se entendam nas alterações estruturantes que são necessárias para mudar o futebol português se não conseguem, sequer, confiar um nos outros para aprovar uma provisória que iria beneficiar todos?
Pois. O futebol português está de volta. Diferente só por não ter público nas bancadas. No resto vai voltar igual ao que sempre foi. É pena. Mas é o que é. Preparemo-nos, portanto, para uma nova novela que substituirá aquela que acompanhámos nestes quase três meses. Vamos batizá-la de Impugnas tu ou impugno eu? O enredo promete...