Heróis!
Quem não viu o SC Braga-V. Guimarães desta semana não sabe bem o que perdeu
CONFESSO que esta vida nas redações, sobretudo nas redações de um jornal desportivo, infelizmente nem sempre nos permite deitar mais do que um olho num jogo que não envolva uma das três grandes equipas da Primeira Liga, e muitas vezes, nem nos encontros dos chamados grandes podemos dar-nos ao luxo de estar atentamente ligados à transmissão televisiva. De um modo geral, aliás, apenas seguem integralmente cada jogo os jornalistas destacados para o relatar, narrar, comentar, enfim, escrever sobre ele. A vida nos jornais não permite que, à hora de cada partida, todos parem de trabalhar para a observar descontraidamente. Impossível. Enquanto decorre um jogo, o resto do trabalho continua numa redação, e apenas nos jogos dos três grandes, alguns dos jornalistas não destacados para o escrever se permitem estar mais atentos, por razões que se prendem com a criação da primeira página do jornal, com artigos de opinião ou mesmo com textos para os dias seguintes. Gostava apenas que o leitor compreendesse que nem todos vimos todos os jogos e ainda menos, temos de o assumir, os jogos que não envolvam FC Porto, Benfica ou Sporting.
Apesar de tudo o que atrás deixo escrito, foi-me possível, esta semana, seguir com muita atenção o fantástico Sporting de Braga-Vitória de Guimarães que se jogou nestes oitavos de final da Taça de Portugal, e proporcionou verdadeiramente aos adeptos, no estádio e pela televisão, um dos mais belos hinos ao futebol a que tive o privilégio de assistir, esta época, no calendário português.
Ponto prévio: só mesmo um grande Sporting de Braga poderia ter vencido, como venceu, um grande Vitória de Guimarães. Um jogo de tão grandes exibições, só podia mesmo resultar num extraordinário jogo de futebol e num espetáculo talvez ímpar, ainda, esta época, apesar de não podermos esquecer o Sporting de Braga-Sporting da 1.ª jornada, igualmente emocionante, igualmente cheio de golos (3-3), igualmente muito aberto e ofensivo e igualmente quase sempre bem jogado.
Mas este SC Braga-V. Guimarães tinha ainda, como sempre, o condimento de ser um dérbi, um dérbi vivido também com muita intensidade, como se fosse o Benfica-Sporting, e parece-me que não será exagero considerá-lo mesmo o Benfica-Sporting dessa bela, tradicional, histórica, rústica, ao mesmo tempo criativa, inovadora e sempre emblemática província do Minho.
Não sei se o jogo de quarta-feira, jogado ao fim da tarde, no invulgar, e sempre estranho, estádio municipal que serve de casa ao SC Braga, foi visto por muita gente. No estádio, infelizmente, não, porque estiveram apenas 9734 espectadores. Digo apenas, porque é incrivelmente pouco para um jogo de tão forte impacto nas duas cidades e entre os adeptos dos dois emblemas. Quero crer que algumas dezenas de milhares terão conseguido, ou se atreveram, mesmo a meio da semana e a uma hora (18.45 h), para muitos, ainda de trabalho, pôr os olhos num jogo realmente memorável, ganho pelo SC Braga, mas apenas perdido no resultado pelo V. Guimarães. O que fica, apesar do 3-2 final, é o apaixonante sabor de um grande jogo de futebol. E quando o jogo é grande, nunca o pobre desconfia.
MINERVINO Pietra é nome que deve dizer ainda muito mesmo às mais novas gerações de adeptos do Benfica, porque há anos se tornou figura carismática de sucessivas equipas técnicas, como adjunto da casa, digamos assim, transitando de uma para outra por integrar a estrutura do clube e não a equipa de profissionais que vinha com o treinador.
Pietra foi, como jogador, um fortíssimo lateral, de uma têmpera e uma fibra invulgares, daqueles futebolistas que parecia jogar sempre de dentes cerrados, com muita qualidade técnica e uma personalidade inabalável, fosse onde fosse, frente a que adversário fosse. Tinha como imagem de marca o cabelo e o bigode, creio que nunca o conheci de outra maneira, o cabelo em carapinha e um bigode ousado, forte, tipo quase inconfundível. O conjunto sempre criou notoriedade suficiente para que Pietra fosse reconhecido em qualquer lado e em qualquer circunstância.
Como futebolista, Pietra defendeu Belenenses e Benfica. Fez, no total, mais de 300 jogos no campeonato, num tempo em que se jogava muito menos competição do que hoje. Na Luz, esteve dez anos, sempre a jogar, foi quatro vezes campeão nacional, ajudou a vencer cinco Taças de Portugal e duas Supertaças Cândido de Oliveira. Foi jogador de Seleção e, sublinho, um daqueles defesas laterais que qualquer treinador quer ter; jogava à direita, jogava à esquerda, e sempre que era preciso fazia uma perninha a médio, enfim, jogava onde tinha de ser e nem sempre onde mais gostava de jogar.
Jogadores assim são, ainda hoje, raros, tão raros que não há treinador que não os procure ou aprecie. «Esse tipo de jogadores é importante para qualquer treinador - qualquer um!», diz, por exemplo, Pep Guardiola, a propósito do igualmente versátil, igualmente tecnicista, igualmente inteligente João Cancelo.
Pois o senhor Minervino, como há muito ele próprio me permitiu que o tratasse, habituado a tanto desafio na vida, tem enfrentado, na vida mais recente, o tremendo desafio de lutar pela saúde, que é sempre o maior dos nossos desafios. Com a coragem e a têmpera com que nos habituámos a vê-lo, espero que continue a lutar naquele jeito de cerrar os dentes, para voltar, o mais rápido que puder, ao futebol, porque o futebol precisa de homens como o senhor Minervino, e já lhe basta as saudades, e já lhe basta, ao futebol, ter mais recentemente dito adeus a Fernando Chalana ou a Fernando Gomes, para recordar apenas dois nomes gravados a ouro na história do nosso futebol e na história das vidas de muitos de nós.
O futebol precisa de todos os seus pequenos heróis, como Minervino Pietra, homens que nunca deixam de nos recordar que o mais importante do futebol sempre foi, é e sempre será o que se passa dentro de um campo!
QUANDO o Benfica fez chegar a Portugal o sueco Glen Stromberg, em 1982, a pedido do inesquecível treinador Eriksson, a moda pegou logo. Os rapazes que vinham do norte da Europa eram vistos, por muitos de nós, chicos-espertos, quase só como uns rapazes altos e loiros, ainda que o futebol nórdico lograsse, regra geral, o que não lograva o futebol português, que era qualificar-se, muito mais vezes, para as fases finais das grandes competições de seleções, mas também chegar longe nas competições europeias de clubes.
Recordo, apensas como exemplos, o Malmo e o Gotemburgo, ambos da Suécia, que nas décadas de 70/80/90 deram algumas cartas!!!
O Malmo com uma presença na final da Taça dos Campeões Europeus (78/79) e o Gotemburgo com duas meias-finais da Taça dos Campeões (em 85/86 e 92/93), e a vitória, sob o comando do mais baixo e muito menos loiro Sven-Goran Eriksson, na velhinha Taça UEFA em 81/82, batendo na final, que então se jogava a duas mãos, os fortíssimos alemães do Hamburgo.
Bom, mas os altos e loiros progrediram tanto no habilidoso futebol português da época, que a verdade é que tanto Stromberg, o primeiro dos vikings, como, depois, o dinamarquês Michael Manniche, mais outros suecos como Mats Magnusson, Jonas Thern ou Stefan Schwarz, para citar exemplos de futebolistas nórdicos com peso no Benfica nas década de 80 e 90, deixaram verdadeira pegada, atingiram bastante sucesso e promoveram memórias inesquecíveis entre os adeptos da águia da Luz, e talvez ainda hoje, pelo menos boa parte deles sinta a muito portuguesa saudade da determinação, capacidade de competir e garra na defesa da equipa de qualquer um daqueles jogadores, realmente tão dedicados que depressa se confundiam facilmente com o fervor do sangue latino.
Neste confronto, diria, entre o futebol latino e o futebol nórdico, recordo ainda as palavras do senhor Eriksson, pouco depois de cá chegar, aqui já lembradas noutra ocasião, segundo as quais o futebol português estava carregado de jogadores com «muita habilidade», sem deixar, com a elegância que o caracterizava, de afirmar, porém, que a «técnica» no futebol seria outra coisa, «técnica é mais a capacidade de executar bem e depressa», dizia ele há 40 anos.!...
O jogador nórdico tem essa fiabilidade, de executar bem e depressa. Não é nenhum génio criativo, mas é, quando em bom, um futebolista muito competitivo, muito regular, muito disponível, muito inteligente, compreende o jogo e o coletivo muito antes de apurar a exibição individual. Os ingleses começaram por dar ao futebol a designação de association por alguma razão, porque o futebol é um jogo feito na associação de onze jogadores, e é preciso compreendê-lo bem, para que cada um saiba o que fazer em conjunto e não apenas individualmente.
Ora este regresso, por assim dizer, do Benfica ao mercado nórdico de futebolistas, jovens futebolistas, é uma estratégia que parte significativa dos adeptos do clube não deixará de saudar. Veremos se esta nova pegada nórdica deixará realmente marca!