Haverá algo como um estoicismo sportinguista?
A corrente estoica da Filosofia, fundada na Grécia por Zenão de Cítio no séc. III a.C. teve como o seu nome maior o romano Séneca, que morreu em 65 da nossa Era. Um dos seus ensinamentos baseava-se na ideia de que os sábios são imunes ao infortúnio. Acredito que muitos sportinguistas têm sido estoicos durante épocas a fio e foram-no especialmente este ano depois da derrota com o Alverca para a Taça de Portugal.
Espero que essa sabedoria no infortúnio não se esgote. Mas, apesar de tudo, nem Séneca, Epiteto, nem qualquer dos grandes filósofos do estoicismo negariam que se está melhor num estado de felicidade do que num de infortúnio. E assim, depois da vitória mais que pífia perante um Rosenborg que é uma sombra do que foi e (felizmente) totalmente desinspirado, conseguiu-se no último domingo, frente ao V. Guimarães, que os sportinguistas saíssem com um sentimento de alguma confiança, algo que lhes escapava há largos tempos.
O jogo não foi extraordinário nem sequer se pode dizer que foi bem jogado, se olharmos para a qualidade; mas foi-o se tivermos em conta a facilidade de uns 3-1 contra um adversário que além de ir, na altura, à frente do Sporting é sempre uma formação muito difícil.
Confesso que antes do jogo estava cheio de medo e partilhei esse estado com alguns amigos e sócios com quem desabafo. Estávamos todos. E eu, com a minha especial capacidade para adivinhar o que se vai passar, ainda lhes acrescentei: «Com o Jesé à frente?». Pois foi o Jesé à frente que abriu a conta, ainda para mais numa correria que terminou com um gesto técnico apreciável. É certo que não é um ponta de lança, mas pareceu.
Seguiu-se Acuña - um dos maiores combatentes no Sporting - e nem o facto de o Guimarães, num golo de Bonatini quando a nossa defesa estava meio a dormir, ter reduzido - impediu um feito que também era necessário para a autoestima do próprio: Coates meteu um golo na baliza certa. Como cereja no topo do bolo Vietto fez um grande jogo e assim se inicia uma recuperação de dois jogadores que pareciam andar perdidos - Jesé e Coates - se premeia um Acuña que tem sido dos mais inconformados, se confirma que Vietto é melhor do que diziam e se percebe que podem jogar todos, sobretudo o avô Mathieu (grande exibição) e o imprescindível Bruno Fernandes que não tem de carregar com a equipa às costas.
Uma assobiadela oportuna
NÃO faço ideia que tipo de surpresas Silas preparou para o jogo de hoje, em Paços de Ferreira, mas hei de estar cheio de medo outra vez. A vida de um sportinguista é assim. Não há jogo em que os adeptos não temam um revés. E assim será até que uma série de exibições convincentes e vencedoras nos retirar deste estado permanente de angústia que apenas o estoicismo sportinguista aguenta.
O jogo de Guimarães teve ainda outra grande virtude: perante os impropérios de uma parte das claques contra a Direção do Sporting, como retaliação da excelente medida que foi cortar com dois desses grupos, o estádio em uníssono assobiou as claques. Provaram do seu veneno e talvez compreendam que nós, os adeptos normais, que pagam, apoiam, torcem, sofrem e aguentam o Sporting, estamos completamente fartos das suas atitudes no campo, nas AGs, no Pavilhão. Aquela assobiadela oportuna mostrou que a decisão da direção do Sporting só não foi apoiada por quem põe interesses próprios acima dos interesses do clube.
Naturalmente, isso não significa que todos os que estão fartos das claques se tenham tornado subitamente incondicionais de Frederico Varandas. Nada disso! Apenas significa que querem paz e estabilidade e que sabem que - em condições normais - terão oportunidade de se pronunciar sobre a liderança quando o prazo chegar, em 2022. Até lá, a tarefa de unir o Sporting, tendo de partir dos responsáveis, precisa de contar com o esforço de todos e de cada um de nós. Ninguém pode promover a unidade com quem não quer estar unido. Esta, que é uma verdade de La Palice, aplica-se no Sporting com toda a propriedade.
A célebre recolha de assinaturas
UMA das coisas que me tem divertido é uma centena de sócios andarem a recolher assinaturas para demitir a direção. Mas querem também demitir a Mesa da AG, porque entendem que Rogério Alves e os restantes membros não são independentes. Eu sei o que pessoas assim acham sobre o que é ser independente: é estar de acordo com eles.
As caras mais conhecidas que por lá apareceram, não por acaso adeptos até ao fim, ou quase, de Bruno de Carvalho, nomeadamente Luís Gestas e Hélder Amaral, eram os mesmos que clamavam que quem não gostava da violação grosseira dos estatutos e da indiferença do ex-presidente com o ataque a Alcochete não era independente. Já eles, que fizeram rapapés a Bruno de Carvalho, eram o cúmulo da independência e do Sportinguismo.
Espero que esse movimento morra à nascença e não nos obriguem a mais uma AG para explicar que os 71% que demitiram o anterior CD (mais de 2/3 do clube que eles desprezam e desprestigiam) são mesmo a maioria dos sportinguistas e, provavelmente têm vindo a aumentar. Na verdade, aproveitar maus resultados desportivos e a confusão lançada por claques (não esqueçamos que mesmo no jogo com o V. Guimarães alguns prejudicaram o clube com a tocha atirada ao relvado) para depois demitir a mesa da AG, a Direção e toda a gente e organizar eleições nesta altura, é uma ideia das arábias que só podia chegar de mentes privilegiadas.
Registo que também Pedro Madeira Rodrigues, candidato em quem votei quando foi o único a opor-se a Bruno de Carvalho, em 2017, não foi feliz nas declarações que fez ao afirmar que «Varandas está quase a ser corrido a pontapé». É um estilo de linguagem mais próprio do candidato que teve a coragem de combater, e muitos dos que então viram nele um voto para contrariar o progressivo absolutismo de Bruno de Carvalho, não se reveem nesse tipo de linguagem… mesmo que concordem com a análise, o que não é o meu caso. Penso que Varandas tem condições para se aguentar e que, caso os resultados sejam de molde a ter a sua saída como melhor solução, deve sair pelo seu pé e não a pontapé.
Dois senhores sportinguistas
Éamanhã, feriado nacional, a corrida do Sporting, agora - e com toda a justiça - corrida Mário Moniz Pereira que vai homenagear outro grande senhor do Sporting - o campeão Carlos Lopes.
São duas personalidades que tive oportunidade de conhecer pessoalmente. Moniz Pereira, muito jovem, quando era praticante de ginástica e tínhamos indicações do mestre para treinarmos corrida. Ensinou-me a respirar, coisa que dita assim parece fácil, mas tem que se lhe diga. Quanto a Carlos Lopes, um homem ali da zona da minha família (Viseu, mais concretamente Vildemoinhos), falei com ele algumas vezes, a última das quais quando o Expresso, de que era na altura diretor, homenageou todos os atletas portugueses medalhados em Jogos Olímpicos. Em comum, estes dois homens, treinador de campeões e o maior campeão em atletismo do nosso país, tinham o Sporting, a humildade e o despretensiosismo. Pessoas simples, como só os grandes sabem ser. Pessoas determinadas, como têm de ser os campeões (e a esse respeito, Rosa Mota, outra campeoníssima, mostrou-o esta semana com o lamentável episódio do Pavilhão de Cristal, no Porto).
Mas, lá está. O Sporting, como nenhum clube, pode viver das glórias do passado. Por isso, é tão importante a formação e a persistência. Por isso, também, precisamos de estabilidade, paciência e… estoicismo.