‘Hacker’, o pirata dos tempos modernos
Sem qualquer risco físico, o pirata informático ataca no conforto de um escritório. Tem especiais aptidões para entrar em casa da vítima e não precisa de arrombar a porta. A entrada é suave e até pode não deixar rasto.
O mundo inteiro habituou-se à designação inglesa: hacker. É um espião, um informador, um justiceiro ou, simplesmente, um ladrão. Haverá, então, hackers bonzinhos, simpáticos, que vivem a profissão no desvelo da defesa dos mais nobres valores da sociedade? Até poder ser que sim. Nestes primórdios do século XXI, continuará a existir o espírito do Robin dos Bosques. Mas a maior parte dos hackers é simplesmente dedicada a uma maneira menos própria de ganhar a vida.
Com a detenção, em Budapeste, do suposto autor do roubo da correspondência eletrónica do Benfica, o pequenino mundo do futebol português voltou a agitar-se. O Benfica reagiu como se tivesse voltado às grandes vitórias europeias, como muito bem lembrou o nosso inultrapassável Luís Afonso, e o povo encarnado terá ouvido do clube, com inadequado alívio, esta eloquente frase: «agora vai começar o tempo da justiça!»
Mentira. O tempo da justiça há algum tempo começara para o Benfica, que não deixa de continuar envolvido em acusações graves que estão, ainda, por provar e por julgar, mas que já provocaram sentenças populares e danos desportivos e de reputação irreversíveis. É verdade, pois, que o Benfica reagiu à detenção do presumível ladrão dos emails que se tornaram conhecidos pela divulgação feita pelo diretor de comunicação do FC Porto no seu canal afetivo como se fosse a prova de que o clube e os seus responsáveis estavam inocentes dos factos ilícitos de que são acusados. Uma manobra de diversão que tem mais de estratégica do que de utilitária.
Mas também é verdade que a nervosa reação do FC Porto nos faz pensar que há um sentimento de profundo desconforto com a notícia de detenção do jovem e hábil hacker português. A sucessão de comunicados é problemática e não soma honradez a quem indiscutivelmente tirou avantajado proveito da divulgação da correspondência privada do rival.
Diz o FC Porto que se limitou a prestar um serviço público ao país, com a divulgação dos emails que lhe terão caído no colo sem ter pago qualquer compensação ou vantagem. Está no seu direito de se defender, mas será precisamente isso que a polícia terá de investigar e, se for o caso, os tribunais terão de julgar.
Os advogados de Rui Pinto, o hacker em questão, defendem o seu constituinte admitindo que aquela pirataria eletrónica tinha apenas a boa intenção de divulgar à sociedade os podres do futebol, tal como já tinha acontecido com o Football Leaks. Tal como o FC Porto, o pirata informático também tem todo o direito de se defender neste tribunal aberto da opinião pública, que, por sua vez, não deixará de pensar por que razão existe, então, uma acusação de tentativa de extorsão, imaginando, assim, que não terão sido exatamente as boas intenções que fizeram Rui Pinto sair do sossego de uma vida «limpinha, limpinha», como diria o Jorge Jesus, e que não terá oferecido de borla os seus serviços fosse a quem fosse.
Digamos que, por duas pistas, rolará o processo dos emails. Uma que confrontará o Benfica com o que a investigação apurar sobre eventuais práticas ilícitas ou, mesmo, criminais; a outra que seguirá o seu rumo, para saber se o FC Porto pagou ou não pelas informações que obteve e que em vez de se limitar a entregá-las à polícia, possibilitando uma investigação mais eficaz, entendeu divulgá-las publicamente tirando a óbvia vantagem do dano no adversário.