Grande!

OPINIÃO17.01.202003:00

BRUNO FERNANDES vai ser jogador do Manchester United, num processo que parece já não poder ter marcha-atrás. Vai ser jogador de um dos maiores clubes do mundo e pode vir a ser um jogador decisivo na reconstrução de uma equipa do United que voltou a cair num cenário de crise e de insucesso muito mais após a saída de José Mourinho.

É verdade, e já muito se disse e escreveu sobre isso, que Bruno Fernandes tem o talento que merece a dimensão de uma campeonato como o inglês, ou o espanhol, sobretudo o inglês ou o espanhol, e portanto, nesse sentido, é um jogador que precisa, infelizmente, de deixar a Liga portuguesa para dar outra grandeza à carreira e a tal dimensão mais justa ao talento que tem. Mas também me parece ser verdade que este Manchester United precisa de um jogador como Bruno Fernandes, um médio, até ao momento, com a espantosa média de quase meio golo por jogo com a camisola do Sporting - 63 golos em 134 partidas.

Não sei, francamente, se no futebol europeu atual - para não ir mais longe - algum outro médio pode orgulhar-se ou exibir um número de golos (e média) tão impressionante como pode, realmente com todo o orgulho, exibir Bruno Fernandes, bem reconhecido como o jogador mais influente e valioso do último campeonato.

Bruno Fernandes tem tudo o que deseja de um médio o treinador de qualquer uma das grandes equipas mundiais. Melhor: tem ainda mais do que se espera, exatamente porque, que me lembre, volto a sublinhar, tem golo, como se diz na gíria do futebol,  como nenhum outro camisa 8, mesmo descontando a dificuldade que terá, num campeonato como o inglês, de marcar o número de golos que foi até agora marcando em Portugal.

Este fenómeno Bruno Fernandes - e vai, certamente, confirmá-lo em Inglaterra - faz-me, com as devidas diferenças, lembrar um bocadinho aquele fenómeno que também no Manchester United acabou por revelar-se Cristiano Ronaldo, muito em particular nas últimas três épocas em Old Traford, quando fez 23, depois 42 e, por fim, 26 golos a uma média de 50 jogos por cada uma dessas épocas, ele que era um extremo - e, na verdade, nunca deixou de ser -, ainda longe do atacante absolutamente feroz, surpreendentemente perfeito e definitivamente histórico que veio a revelar-se em Madrid.

Creio ser possível até encontrar mais alguns pontos em comum entre o aspirante a estrela mundial que é ainda Bruno Fernandes e o monstruoso e inigualável Cristiano Ronaldo. Por exemplo, aquele caráter competitivo que leva ambos a querer jogar sempre, a querer ganhar sempre, a querer dar tudo sempre, a querer estar no máximo sempre, a querer dar tudo pela equipa sempre, a querer desafiar-se e esgotar-se sempre.

Vejo em Bruno Fernandes todos esses predicados. Um jogador com temperamento e caráter; com talento para chegar a ter classe; com raça e alma e compromisso, e mais tudo aquilo que já foi amplamente destacado e elogiado por tantos e tantos analistas, e por adeptos, treinadores e jogadores, companheiros ou adversários.
O que falta a Bruno Fernandes? Assim à primeira vista, nada! E o que tem a mais? A tendência para discutir, para se queixar, nalguns casos para protestar e refilar, num tom que chega a ultrapassar o limite até do exagero.

Em Inglaterra, sobretudo em Inglaterra, Bruno Fernandes vai mesmo ter de mudar a agulha desse tipo de comportamento. Ou mudará por ele próprio ou o sistema o vai obrigar a mudar, porque em Inglaterra esse tipo de atitude costuma doer no bolso de jogadores e treinadores. E se à primeira não doer o suficiente, à segunda já custará muito.

Como ainda recentemente lembrou o antigo árbitro Duarte Gomes (analista de A BOLA) numa excelente crónica que assina no semanário Expresso, quando há um par de anos um jogador da Premie League postou «uma foto no seu Instagram, com a seguinte legenda… ‘Ganhámos, mesmo contra 14’… foi multado com 50 mil libras [quase 60 mil euros] e castigado uma série de jogos. O seu clube também condenou veemente a conduta. Argumento: colocou em causa a integridade da competição, contribuindo para desvalorizar o produto que todos querem elevar. Acham que ele repetiu a graçola?», escreveu Duarte Gomes, pegando apenas num exemplo de como funciona a indústria do futebol profissional em Inglaterra, que teve, entre outros problemas, de enfrentar de caras entre o final da década de 80 e o princípio da década de 90 o tremendo problema de hooliganismo, sem o qual foi possível partir então para a organização daquela que é hoje considerada, justamente, a melhor Liga do mundo!

Precisamente por isso, na Premier League é o sistema que não brinca e, nesse sentido, volto a sublinhar, Bruno Fernandes vai ter de moderar aqueles exageros em que cai com alguma frequência quando deixa que a paixão pelo jogo e a defesa da equipa sejam traídas pelo temperamento de coração descontroladamente na boca.

Quando moderar isso, quando se dominar, quando tiver maior controlo emocional sobre a sua relação em campo e não desperdiçar uma gota de energia que seja, Bruno Fernandes estará então em condições de se tornar um dos jogadores-estrelas desta nova década do futebol europeu, capaz de deixar marca ao nível dos que são verdadeiramente grandes.

Porque Bruno Fernandes é grande! E tem todos os traços dos grandes jogadores! Tão grande no compromisso com o jogo e com a defesa da equipa como grande na forma como olha o futebol e como defende o espírito que deve prevalecer entre os profissionais do futebol, de que é extraordinário exemplo, aliás, sem beliscar profissionalismos ou rivalidades, o modo como assume a relação de amizade com o benfiquista Pizzi - e vice-versa, naturalmente - e como não tem, muito pelo contrário, qualquer problema em usar (bem) as redes sociais para mostrar o que deve ser o comportamento de um grande do futebol como ele já é, como voltou a exemplificar com os votos de sucesso que desejou ao jovem benfiquista Gedson, que vai a partir de agora defender a camisola do Tottenham.

Tão grande é ainda Bruno Fernandes que, como se adianta nesta edição de A BOLA, é o próprio jogador que mostrou ao Sporting deseja jogar o dérbi desta sexta-feira e, na próxima semana, a final four da Taça da Liga, neste caso para tentar ajudar o leão a defender, e se possível, repetir o título das duas últimas épocas, antes de poder enfrentar o emocionante, difícil e tão aliciante desafio de se tornar um dos maiores craques do que se espera venha a ser um novo e bem-sucedido Manchester United, numa transferência, repito, que já parece não poder ter marcha-atrás.

Como comentou Louis Saha, antigo internacional francês e antigo jogador do clube (contemporâneo de Cristiano Ronaldo), assim que se adaptar à Premier League «Bruno Fernandes será o líder que o Manchester United precisa!».

E Saha saberá do que fala!

O dérbi de Lisboa não é apenas o dérbi de Lisboa, como toda a gente sabe e compreende; o dérbi de Lisboa é o dérbi de Portugal, é provavelmente o jogo mais popular do País e o que mexe com o maior número de adeptos. O dérbi é sempre mais do que um jogo e sendo mais do que um jogo - tal como os clássicos - vale também sempre mais do que outro jogo de campeonato, como disse, e bem, o treinador leonino Silas, ao defender que um dérbi como este vale mais do que os três pontos que vale para a classificação do campeonato, porque Silas tem a noção que têm os adeptos de que um jogo desta natureza, além dos três pontos que atribui ao vencedor, mexe ainda, naturalmente para o bem e para no mal, com nenhum outro tipo de jogo,  com a confiança, com o estado emocional, com as expectativas e a respetiva gestão, com a relação do grupo com tudo o que o rodeia e, porventura, com as possibilidades imediatas em matéria de resultados e ambições.
Como tantas vezes é lembrado, o futebol joga-se com os pés mas está todo na cabeça. E se a cabeça não estiver bem, os pés deixam de ajudar.
O dérbi de hoje, como os de ontem, não tem favorito. Nunca tem favorito. Como a história do dérbi está farta de provar, nem vale a pena olharem para a classificação!

PS: Na semana em que, como qualquer português, fiquei chocado com a morte do piloto Paulo Gonçalves, agarro-me às boas razões para nos continuarmos a apaixonar pelo desporto - o surpreendente sucesso da nossa seleção masculina de andebol no Europeu; o bom futebol e os sensacionais resultados do Famalicão de  João Pedro Sousa, um treinador estreante com o impacto como há muitos anos não se via fora do universo dos três grandeza clubes portugueses; e, por fim, a progressiva confirmação do excecional talento do jovem Tomás, uma espécie de Tavares rico entre os (Nuno e David) Tavares do Benfica, um lateral-direito tão bom, tão bom, tão bom que, como diria um amigo, podia até ser extremo.

Que futuro vai ter!