Giroflé Giroflá!...

OPINIÃO19.12.202003:00

Podia na semana passada ter contado mais casos e, muitos outros, esta semana. Resolvi, no entanto, cingir-me hoje a um outro caso e a uma situação que, só ao de leve, referi com o pretenso suborno da Francisco Silva, antes de entrar na prometida análise ao sistema de arbitragem no futebol português.


Fez há dias 34 anos que o Sporting ganhou ao Benfica por 7-1. Tinha acabado de chegar do Brasil, onde fora contratar Marlon a pedido de Manuel José, e segui para o Estádio antigo, na companhia dele para assistir a esse memorável jogo. Lembro-me bem de levar uma camisola encarnada, que havia comprado no aeroporto do Rio de Janeiro, com o intuito de ela constituir um talismã para esse jogo com o Benfica. Lembro-me perfeitamente do saudoso presidente deste clube, meu querido e saudoso Amigo Fernando Martins, sorrir e me dar um abraço por causa da cor. Ele também nunca se esqueceu desse episódio, de triste memória para ele e grata recordação para mim!


Este resultado fez tremer muita gente. E, logo a seguir, um roubo monumental em Guimarães desse duplo árbitro vermelho, que à nascença apelidaram de Veiga Trigo: Silvinho isola-se em grande velocidade em direção à área e quando entra nela é ceifado. Aquele senhor do apito, aliás grande especialista em prejudicar o Sporting, nada assinalou. Se houvesse VAR, mesmo que fosse Artur Soares Dias, ele não conseguiria fingir que não viu o erro grosseiro do Godinho! Foi de tal ordem o escândalo, que o Presidente do Conselho de Arbitragem Pinto de Sousa convidou para almoçar o Presidente do Sporting, Dr. Amado de Freitas, que aceitou o convite e se fez acompanhar pela minha pessoa. Serviu tal almoço, fundamentalmente, para um pedido de desculpas, por uma falha tão grosseira. Perante a minha recusa em aceitar tal falha apenas como um erro negligente, a conversa derivou para uma apreciação geral da arbitragem, onde o senhor Pinto de Sousa concluiu da mesma forma como concluiria anos depois quando foi acusado de 26 crimes de corrupção passiva, de que foi absolvido: «Não sou ingénuo ao ponto de afirmar que não há corrupção no futebol», disse ele então ao Diário de Noticias.


Quanto ao árbitro Francisco Silva, falecido em 2016, como todos (ou quase todos) sabem, e outros fingem não saber, fui seu advogado. Durante o processo aprendi muito, muito mesmo, nas conversas que tive com ele e com o Dr. Lourenço Pinto, então Presidente do Conselho de Arbitragem. Houve então quem me dissesse que não devia ter aceite o patrocínio. Mas aceitei, porque ouvimos coisas que às vezes julgamos invenções, mas, estando por dentro, percebemos que é verdade. Quando terminei o processo, perante o agradecimento do Francisco Silva disse-lhe apenas: grato estou eu, porque só com um processo, fiz o mestrado, o doutoramento e agora falo de cátedra!
Posteriormente, as escutas e os emails deram-nos conhecimento de como tudo está mais sofisticado. Mas isso são outros quinhentos, que eu, para já, não domino. Conheci Francisco Silva, mas, infelizmente, nunca falei com Rui Pinto.


Mas deixemos os factos e vamos àquilo que importa, ou seja, a forma como se estruturou a arbitragem, que devia ser transparente e credível, mas onde, infelizmente, abunda a promiscuidade e a confusão.


Tenho para mim que a arbitragem não devia ser dirigida por um órgão da Federação Portuguesa de Futebol e, a estar integrada nesta, não devia passar de uma comissão técnica, ainda que isso implique uma alteração no Regime Jurídico das Federações. Já sobre outros aspectos, o que está mal, em minha opinião, é que a arbitragem no futebol se afasta do citado regime jurídico das federações, e daí as minhas dúvidas sobre a legalidade ou validade das cláusulas, nesta matéria, dos estatutos da FPF!
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei 5/2007), no seu artigo 14.º, define o que são federações desportivas: «Pessoas colectivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respectiva modalidade...» O regime jurídico das federações desportivas define estas da mesma forma e, curiosamente, estabelece «que a representação na assembleia geral das diversas estruturas e agentes desportivos seja feita por intermédio de delegados, os quais apenas representam uma única entidade e têm um só voto. As assembleias gerais das federações desportivas deixam de ser integradas por organizações que exprimiam votos corporativamente organizados para passarem a ser compostas por pessoas indicadas ou eleitas previamente, mas que apenas podem dispor de um voto». Ainda segundo o mesmo regime jurídico, «as federações desportivas organizam-se e prosseguem as suas actividades de acordo com os princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência». E, na sequência e em coerência, determina que a assembleia geral das federações «é composta por delegados, representantes de clubes, praticantes, treinadores, árbitros e juízes, ou de outros agentes desportivos que sejam membros da federação desportiva».


A FPF nunca se entendeu muito bem com a democracia, nem abandonou o seu tique corporativo, tão ao gosto do antigo regime, em que a sua assembleia não era uma assembleia dos agentes desportivos, mas uma câmara corporativa dos interesses. Nessa conformidade, os sete e meio por cento de delegados que deveriam representar os árbitros, não os representam, mas sim a APAF. Aliás, a APAF é que é sócia ordinária da Federação Portuguesa de Futebol, sendo os árbitros meros sócios de inscrição ou filiação.
Não é de admirar assim que a assembleia geral seja composta por 84 delegados por inerência e a eleger, que um dos inerentes seja o Presidente da APAF e que a eleição dos 5 delegados dos árbitros seja da competência da APAF, os quais terão que ter estado integrados no quadro de árbitros da FPF ou no quadro de árbitros de Associação Distrital ou Regional ou terem sido dirigentes da APAF, de um conselho ou comissão de arbitragem nacional, regional ou distrital. Sempre a APAF,


E por hoje chega, o que significa que não vou deixar o tema, numa tentativa para que os dirigentes não percam tanto tempo com críticas, ainda que justas, com os erros e a incompetência dos árbitros, e se preocupem mais com o sistema e a estrutura da arbitragem que está a montante dessa incompetência e não só.


Quando é sabido que a Lei manda que a arbitragem seja estruturada de forma a que as entidades que designam os árbitros para as competições sejam necessariamente diferentes das entidades que avaliam a prestação dos mesmos, e que a mulher do Presidente do Conselho de Arbitragem avaliou o árbitro e Presidente da Assembleia Geral da APAF, Artur Soares Dias, já não deve faltar muito para que o actual Presidente do Conselho de Arbitragem e anterior presidente da APAF, não venha a ter como Presidente da APAF a sua própria mulher! E, por falarmos de transparência, sugiro que, em vez da jarra, Artur Soares Dias seja mandado para o jardim e, do alto da sua arrogância, possa cantar:

Fui ao jardim da Celeste,
Giroflé, giróflá
E o que lá eu fui fazer
Giroflé, flé flá

Memória

Neste ano de pandemia, um facto assinalo no domínio da comunicação na televisão: a eliminação nos principais canais de televisão privados dos programas desportivos com um moderador e os representantes (não oficiais) do Benfica, do Porto e do Sporting. E faço-o hoje porque na próxima segunda-feira, dia 21, já faz dez anos que Pôncio Monteiro nos deixou - um pioneiro desses programas, tal como Fernando Seara, Eduardo Barroso e eu próprio.

Pôncio Monteiro era um príncipe nas relações humanas, tinha um enorme sentido de humor, era, em suma, um bom Amigo, com quem partilhámos bons momentos. Com ele e com a sua esposa, a nossa querida Amiga Isabel Monteiro. Não podia, assim, deixar de o lembrar nesta altura e dizer em meu nome a Isabel Monteiro - e julgo que no de Eduardo Barroso e Fernando Seara - que os nossos programas não foram tóxicos, mas, pelo contrário, alimentaram uma amizade entre adversários desportivos que continua viva, que recordamos com saudade e permanece para além da morte:  dez anos são passados, mas Pôncio Monteiro, afinal, não nos deixou e continua entre nós...!