Gato escaldado de água fria tem medo
Os portugueses nunca foram conhecidos como grandes planificadores, mas sempre se notabilizaram como campeões mundiais do desenrascanço, aliando a esta qualidade uma outra capacidade sem paralelo em nenhum outro povo, a de complicar.
Veja-se, por exemplo, o que foi feito, cá e lá fora, com a possibilidade de realizar cinco substituições num jogo de futebol.
Na Alemanha, onde a bola já rola há quatro jornadas, a medida foi de imediato implementada, na certeza de que seria mitigadora do esforço adicional que está a ser pedido aos jogadores, neste tão atípico recomeço de competição. Espanha, Itália e Inglaterra, que estão em processo de aquecimento de motores, já se pronunciaram e acolheram de braços abertos esta ajuda que a FIFA promoveu para suavizar o atrito da reentrada na atmosfera dos campeonatos. E nós, que temos Liga já depois de amanhã? Pois ligámos o complicómetro e conseguimos arranjar forma de atrasar, para depois da AG da Liga, marcada para 9 de junho, a entrada em vigor de uma medida que irá beneficiar jogadores e clubes, com argumentos que invocam regulamentos e impugnações.
Visto de fora, por quem não conheça em profundidade a parte subterrânea do futebol português, a reação só pode ser uma: «Estes tipos estão doidos!» Mas, sabendo-se o que a casa gasta, percebe-se a desconfiança e compreende-se a extrema prudência. Não seria a primeira vez que alguns alçapões da lei, criteriosamente colocados nos edifícios regulamentares, serviriam para que quem não tivesse acesso pela porta pudesse entrar pela janela.
Daqui em diante, num contexto financeiro, em alguns casos, de extrema penúria, é minha convicção que muitas coisas vão ser alteradas, pela necessidade de sobrevivência dos clubes, e não por que o Covid-19 tenha provocado algum rebate de consciência aos dirigentes.
Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, concorre ao Conselho Geral dos Dragões, na candidatura de Pinto da Costa. A cultura de proximidade entre a edilidade portuense e o clube mais representativo da cidade, apenas interrompida durante os doze anos de Rui Rio na Avenida dos Aliados, recebe assim um novo impulso, sem que haja motivos para reparos. Hoje em dia, ao contrário do que sucedia no passado, os mecanismos de controlo e regulação são eficientes e a promiscuidade entre autarquias e clubes, que marcou época no nosso futebol, de norte a sul, não tem mais possibilidade de existir (pelo menos da forma desbragada como a conhecemos…).
Dito isto, é normal que as câmaras municipais puxem pela promoção desportiva, e esta, a maior parte das vezes, pelo sistema vigente desde sempre em Portugal, está na órbita dos clubes; e também é normal que, para promover o turismo e o comércio locais, os edis se empenhem na visibilidade das suas cidades, essencialmente através da montra do futebol.
Assim, ter Rui Moreira, às claras, associado a um projeto clubista, credibiliza o desporto e serve como grito de revolta contra quem pretende criar uma espécie de cerca sanitária em torno de uma atividade de reconhecida utilidade pública.
Finalmente, num clube que vive uma situação financeira extremamente delicada, e que deverá ter sempre presente, mais mandato, menos mandato, a sucessão do líder histórico, ver nomes como António Oliveira ou André Villas Boas, para além de Rui Moreira, a darem a cara pelos dragões deve reconfortar os sócios e adeptos quanto ao futuro a curto e médio prazo. Uma coisa mais, a propósito de políticos e dirigismo desportivo: ninguém acredita que a mesma pessoa na política seja um anjo e no futebol um diabo. Das duas, uma, ou presta ou não presta. O resto não passa de preconceito e demagogia.
Bruno de Carvalho foi absolvido do que ia acusado, a autoria moral do ataque à Academia de Alcochete. Primeira reação? Lincar a decisão da juíza de Monsanto à decisão do Conselho Fiscal e Disciplinar do Sporting de retirar-lhe a condição de associado dos leões (ratificada em AG), e dar início a uma campanha que possa levá-lo, de novo, à condição de sócio do clube de Alvalade. É sabido que Bruno de Carvalho foi expulso do seio leonino por ofensas graves e reiteradas aos estatutos do clube, quando patrocinou uma putativa comissão de legalidade nula.
Mas, para quem não percebeu, a luta que se avizinha no Sporting não vai ser de natureza legal, mas política.
Resilientes, persistentes e sempre muito focados, os militantes de Bruno de Carvalho vão aproveitar todas e mais algumas razões para que sejam criadas condições que permitam o segundo advento. Os resultados desportivos estarão, por certo, no ponto de mira, mas as Assembleias Gerais - a começar pela próxima, de aprovação de contas - serão um termómetro perfeito da temperatura do clube.
A notícia é que Bruno de Carvalho está de volta e mesmo que não consiga recuperar a condição de associado poderá sempre surgir como apoiante de uma lista que o proponha para presidente da SAD.
A ideia de que o ex-presidente estará disposto a afastar-se do clube, não tem, a meu ver, pernas para andar (e até tenho memória de um post de BdC em que este anunciava que deixava de ser adepto dos leões, mudando de ideias no post seguinte…) e esta é mais uma variável a ter em conta no labirinto que é a vida do Sporting Clube de Portugal.
Luís Nazaré colocou ponto final (parágrafo?) numa ligação de duas décadas ao Benfica, como dirigente, e não escondeu que saía devido a divergências insanáveis com a Direção do clube, a propósito do formato da próxima Assembleia Geral. O Benfica, numa resposta agreste, também não maquilhou nem as diferenças nem o desagrado. Ou seja, não acabou bem esta relação (e aqui são pessoas que estão em causa, são elas que se dão bem ou mal, divergem ou convergem…) e os encarnados perdem alguém que, pelo percurso profissional (entre outros cargos foi presidente dos CTT e da Anacom), académico (professor universitário no ISEG) e político (adjunto de António Guterres para as áreas económicas), acrescentava prestígio à instituição de que foi presidente do Conselho Fiscal e da Assembleia Geral. Seguramente, se alguém quiser escrever, um dia, a história profunda do Benfica no pós-Vale e Azevedo, Luís Nazaré é um excelente candidato a assinar esse best seller…
A Liga regressa depois de amanhã, devolvendo-nos alguma sensação de normalidade. Em conformidade, na próxima segunda-feira retomo neste espaço o formato normal destas Cartas na Mesa.