Ganhar. Ponto final
Falhar a participação no Mundial do Catar teria consequências terríveis. Do ponto de vista desportivo, obviamente, e também na vertente financeira
BERNARDO SILVA é dos jogadores esclarecidos da Seleção, na forma como pensa o jogo e também no discurso, geralmente despretensioso, coerente e até divertido. Gostei de o ouvir a propósito do encontro decisivo de logo à noite, diante da Macedónia do Norte, e confesso que uma frase bastou para me deixar sossegado, a mim e a todos os adeptos que tiveram o prazer de o escutar. «Sabemos perfeitamente que temos de estar no Catar.» Ponto final. Tudo o que se queira acrescentar será para complicar e agitar medos, perigos e demónios
Apesar da irritação que o nosso selecionador provoca com o seu futebol calculista, temeroso, encolhido e envergonhado, em vez de marcar o território e crescer para os oponentes, a verdade é que foi com esse espírito de excessiva humildade, quase submisso, de quem não gosta de incomodar, que inventou a diferença entre ‘jogar bonito’ e ‘jogar bem’ e através desse artifício foi desconjuntando quantos lhe apareceram pelo caminho até ser consagrado como campeão da Europa. Ele avisara que tinha dito à família que só regressaria a casa a seguir ao dia da final, mas ninguém o levou a sério. Eu, confesso, não levei, e a esmagadora maioria pensou o mesmo, embora no momento dos festejos muitos tivessem jurado a pés juntos que sempre acreditaram.
Depois veio a Liga das Nações, e mantivemos a nossa tendência vencedora, com inatacável merecimento. Finalmente, Portugal sublinhou a sua capacidade conquistadora, seja o que isso for, e impôs a si próprio não mais ser excluído das grandes competições, de modo a gerar as substanciais contrapartidas financeiras que têm permitido à Federação consolidar o presente, sem jamais perder de vista o que ainda é preciso construir, porque o futuro não tem limites.
FERNANDO GOMES revolucionou o futebol em todas as suas vertentes. Deu o salto para a modernidade. Projetou e desenvolveu infraestruturas que colocaram o nosso país no mesmo patamar dos mais poderosos. Além disso, teve o cuidado de criar uma organização competente, rodeando-se de gente dedicada, empreendedora e inovadora, que passou a andar à frente do tempo, motivo pelo qual a FPF é hoje reconhecida como instituição de referência, internacionalmente respeitada e admirada. Diria que a esse nível, do prestígio e da consideração granjeados, se situa bem acima do país que representa.
A presidência da Federação de Futebol permite hoje uma visibilidade e até poder de influência que muitos ministros gostariam de ter e não conseguem, porque as coisas são mesmo assim, de aí que, estranhamente ou talvez não, dê que pensar a exagerada preocupação, quanto mim pouco sincera, a propósito da saída de Tiago Craveiro para desempenhar funções relevantes na UEFA. O que para mim é justificado sinal de reconhecimento pela qualidade do seu trabalho, para outros é um indício de fim de ciclo, prenunciador de espaço de intriga e de oportunismos.
Em rigor, nada de especial de passa. Pelo pouco que julgo saber, a promoção de Tiago Craveiro há muito estava prevista. Vai ser substituído por Luís Sobral, numa transição pacífica e concretizada sem sobressaltos. Mudam-se os nomes, sem beliscar a solidez da estrutura, como sugerem as boas práticas.
Oúnico de foco problemático, o único, repito, tem a ver com o risco de Portugal falhar a participação no Mundial do Catar. Nesse caso, as consequências seriam terríveis. Do ponto de vista desportivo, obviamente, e na vertente financeira. Estando tudo interligado, quando não se ganha ou não se atingem determinados objetivos os cofres ressentem-se e não havendo entrada de dinheiro fresco será preciso recorrer às poupanças para manter os equilíbrios. Garante-se a estabilidade orçamental, mas, naturalmente, ficam prejudicados novos investimentos. Ou seja, em cenário de crise, é preciso moderar, ou interromper, o crescimento.
Este risco é real, temos de ter consciência disso, por culpa própria, refletida num apuramento cinzento, como os três últimos jogos, dois com a Irlanda e o derradeiro, frente à Sérvia, inequivocamente traduzem. Foi uma desilusão e talvez por isso, só por isso, o selecionador admitiu trabalhar novas soluções que tragam aos jogadores a felicidade que têm nos clubes e perdem na seleção, uma revolução necessária que tarda e que obriga a um ato de contrição do próprio Fernando Santos.
DAR a titularidade a Otávio foi um agradável indicador de mudança e promover Diogo Costa um atrevimento que aplaudo. Foi um bom começo, mas é de menos. Chegámos a um ponto em que nem são os conceitos táticos ou estratégicos que estão em causa, mas a sensação de o selecionador proteger os seus favoritos em prejuízo dos verdadeiros interesses do coletivo, que é a equipa nacional, principalmente quando desfruta de um leque de escolhas invulgarmente rico e valioso. Mesmo assim, continua a revelar inexplicável relutância em renovar, para tornar o grupo mais forte e com mais argumentos.
O jogo com a Turquia foi, apenas, o último exemplo. Estava controlado, deixou de estar, instalou-se o desassossego, houve o penálti falhado por Yilmaz e só depois Fernando Santos se lembrou de dois jovens (Rafael Leão e Matheus Nunes), entrados aos 88 minutos (!!!), que confirmaram a vitória de Portugal.