Futebol sem bola

OPINIÃO09.10.201904:00

1Julgo que não serei só eu a não conseguir entender porque razão não houve campeonato da primeira divisão neste fim-de-semana que passou. Mesmo não havendo jogos ao domingo, por causa das eleições, a jornada poderia perfeitamente ter sido disputada ao longo da sexta, sábado e segunda - como, aliás, aconteceu com jogos da segunda divisão e da Taça da Liga. E, se não compreendo a razão para isso, menos ainda compreendo as discordâncias manifestadas por alguns treinadores relativamente a esta absurda suspensão do campeonato: então eles não tiveram uma palavra a dizer, através dos clubes que servem, quando o calendário para a época foi estabelecido pela Liga de Clubes? Só agora é que deram por isso?

2Pois, não havendo futebol de que falar, resta-me escrever sem bola. Ou rebobinar o filme de jogos passados, sobre os que ainda não escrevi mas que já parecem bem distantes. Começando pela desastrada jornada europeia dos clubes portugueses, saldada por três derrotas, um empate e apenas uma vitória. E, se todos os cinco clubes nacionais envolvidos estiveram aquém daquilo que seria expectável e exigível, não deixa de ser irónico que a única vitória arrancada tenha pertencido àquele que, em jogo visto, pior esteve entre todos: o Sporting. Mas Silas parece ter entrado de pé quente em Alvalade, pois após a estreia com uma vitória arrancada a ferros e de penálti na Vila das Aves, seguiu-se, na sua estreia internacional, uma segunda vitória, com dois golos vindos do nada em cinco minutos, que tiveram o condão de apagar as consequências dos 85 minutos restantes em que o Sporting foi dominado até quase ao nível da humilhação por uns desconhecidos austríacos. Em ambos os casos, valeu a Silas o contributo decisivo do suspeito do costume: Bruno Fernandes cobrou o penálti que valeu 3 pontos nas Aves, o canto que deu o primeiro golo contra o LASK e marcou sumptuosamente o golo da vitória. Quando penso que não houve quem quisesse dar por ele menos 50 milhões do que deram por João Félix, acho que Jorge Mendes deveria ser convidado para ter uma cátedra de ciência da negociação num curso de gestão universitário.
Quanto aos outros, SC Braga e V. Guimarães tropeçaram sem grande espanto e, sem grande espanto também, o Benfica - futuro iminente campeão europeu, nas palavras do seu presidente -  voltou a mostrar o seu tremendo deficit de categoria e cultura europeias. Vai a caminho de falhar a qualificação para os oitavos da Champions e sem se poder queixar do grupo que lhe calhou em sorte - de longe, o mais acessível de todos. Algum espanto, confesso, foi para mim a derrota do FC Porto em Roterdão e não é por ser portista que constatei que, apesar de tudo, a prestação dos portistas foi claramente a menos má de todas e suficiente para ter ganho aquele jogo, pelo número abundante de oportunidades de golo criadas e desperdiçadas. Independentemente porém da falta de sorte (duas bolas na trave, um penálti a favor não assinalado), foi muito estranha a debilidade defensiva demonstrada e a falta de competitividade a meio-campo, muito por culpa de (mais) uma desastrada exibição de Danilo (incrível a forma como oferece o segundo golo, começando por entregar a bola a um adversário em zona proibida e, depois, ficando impassível a vê-lo passar por si e caminhar vitoriosamente para se isolar e marcar).

3E, por falar nisso, consta que Danilo se quer ir embora e que o FC Porto vai ter de vender jogadores no mercado de Inverno, falhados os 42 milhões da Champions e agravada a situação pelo investimento incomum de 60 milhões feito este ano no plantel principal. Danilo é um bom jogador, já foi útil à equipa muitas vezes, mas quando os jogadores se acham mal empregues na equipa é quando normalmente começam a jogar mal e a solução melhor é deixá-los ir. Desde que alguém os queira comprar…


E vale a pena olhar para as compras que a SAD do FC Porto fez este ano e que, como disse, foram excepcionais em termos de dinheiro investido - porque, em termos de quantidade de jogadores, foram, felizmente, bem menores do que em anos anteriores. Tratava-se, primeiro, de substituir Militão e Felipe no centro da defesa e a solução foi repescar Marcano, uma boa solução. Para além disso, não deixou fugir Mbemba, que, em todas as oportunidades e em todas as posições, se tem revelado um jogador valioso, e também não deixou fugir Diogo Leite, que representa indiscutivelmente o futuro próximo. Para a  lateral direita, de onde finalmente se reformou Maxi Pereira, foi-se buscar o argentino Saravia, que, até ver, se tem revelado mais uma aposta falhada (a quinta para esta posição, apenas no consulado de Sérgio Conceição). E a solução tem sido a de recuar Corona para lateral - um remendo que não tem provado mal nem bem, mas que retira da frente o melhor flanqueador da equipa e tantas vezes uma gazua preciosa: perdeu-se um grande atacante, não se ganhou um grande defesa. No meio-campo, para substituir o ora grandioso/ora ocioso Herrera, veio o colombiano Uribe, anunciado como o «grande reforço» da época.

Mas que, em minha opinião e até agora, pouco mais tem revelado do que alguma vocação para cortar espaços, mas sem qualquer vocação visível para acrescentar jogo na frente, incluindo em poder de remate, conforme rezava o seu portfolio. Para substituir o já inconsequente Brahimi, vieram Luis Díaz e Nakajima. Díaz é o melhor de ambos, claramente um bom jogador, ainda com bastante margem de progressão, e facilidade de remate, enquanto que Nakajima, dotado tecnicamente, está naquela encruzilhada de mostrar ou não que um bom jogador em equipa pequena pode ser um bom jogador em equipa grande: até agora, ainda não o conseguiu. Também regressou Sérgio Oliveira e foi promovido Romário Baró: aqui e ali, podem arrancar grandes jogos e mostrar-se úteis, mas não creio que qualquer deles possa ser primeira escolha nesta equipa. Na frente, foi a grande surpresa: não saiu ninguém, nem sequer Aboubakar, e além do trio formado por ele, Marega e Soares, foi ainda acrescentado Zé Luís - que, embora intermitente, tem dado conta do recado - e, promovido dos juniores, a «novíssima esperança», como diria Camões, chamado Fábio Silva.


E, para o fim, deixo aquele que, a meu ver, foi o melhor reforço do FC Porto para esta temporada e, espero, seguintes: Marchesín, um guarda-redes como há muito não habitava aquela baliza. Anos a fio (de facto, desde a saída de Vítor Baía), que sofri a bom sofrer com a incapacidade de os portistas irem buscar um guarda-redes que fosse uma mais-valia e não uma fonte de problemas e permanente instabilidade na retaguarda, como foram Nuno Espírito Santo, Helton, Fabiano, etc. Anos a fio, vi o FC Porto perder jogos e entregar pontos, ser afastado da Europa, por erros ou incapacidade dos seus guarda-redes, enquanto via os rivais - o Sporting graças a Rui Patrício e o Benfica graças a Oblak, Ederson ou ao actual e incompreensivelmente mal-amado Vlachodimos - salvarem-se de merecidas derrotas apenas por acção dos seus keepers. Mesmo a chegada de Casillas - que, atendendo ao historial existente, foi um alívio - não resolveu todos os problemas, pois o espanhol, se nos grandes jogos mostrava a sua classe, no resto nunca se mostrou um guarda-redes que valesse pontos - em particular, devido ao seu inexistente jogo aéreo. Mas agora temos um n.º1 que não apenas é tão bom ou melhor no um para um que Casillas, como é francamente melhor entre os postes, no jogo aéreo e, sobretudo, a jogar com os pés, onde é absolutamente exímio.

Quando dantes a simples reposição da bola em jogo podia revelar-se um momento de aflição extrema, devido à falta de calma, de jogo de pés e de inteligência dos guarda-redes, hoje, com Marchesín, é um momento de sossego e, não raras vezes, uma oportunidade de contra-ataque rápido. Marchesín custou menos do que Loum, esse extraordinário jogador contratado em Janeiro ao Sporting de Braga (que o tinha emprestado ao Moreirense) e que até hoje não fez um único jogo a titular pela equipa principal. O que não obstou a que, em vez de vir por empréstimo com cláusula de compra facultativa no final, como é norma, tenha vindo com cláusula de compra obrigatória de 7, 5 milhões, mais do dobro da quantia pela qual, em contrapartida, o FC Porto vendeu um talento como Galeno ao Braga. Mas isso é outra conversa, que remete para os fabulosos negócios que António Salvador consegue fazer com o FC Porto, ao mesmo tempo que o amigo Benfica, quanto mais safadezas lhe faz, mais estimado é.