Futebol não é matraquilhos
O futebol voltou. Diferente, é inegável, mas voltou. Com ele voltaram as táticas, as fintas, as assistências, os golos... e, claro, a polémica, porque futebol sem uma discussãozinha não é futebol. Cá (embora nós exageremos, é um facto...) e lá fora. Repare-se na Alemanha. É reconhecido por todos que as coisas correram bem. Muito bem até. Melhor, se calhar, do que os próprios alemães esperariam. Mas em vez de ficarem (eles e todo o mundo, porque o assunto depressa se espalhou, ou não fossem milhões e milhões os olhos colados ao ecrã) satisfeitos com isso, lá encontraram (encontrámos...) uma polémica: a celebração dos golos. E porque esse é tema que, de certeza, se colocará cá quando o nosso campeonato voltar, nada melhor do que jogar à João Vieira Pinto (na antecipação) e falar já sobre o assunto.
Facto: houve equipas, ou jogadores, que optaram por festejar respeitando as regras do distanciamento social. E houve outras que preferiram celebrar como se nada tivesse mudado, com abraços e, até, beijos. Percebo, a sério que percebo, a ideia de quem defende que os futebolistas, como exemplo para muitos jovens (e menos jovens, porque não), devem sempre ter cuidado com o seu comportamento. Mas levar esse argumento para a celebração de um golo? Mesmo em tempo de Covid? Parece-me, para dizer o mínimo, exagerado.
Vejamos: não haverá, nesta altura, nenhum outro profissional tão controlado como um jogador de futebol. São testes e mais testes. Todos os futebolistas (e treinadores e staff...) que ontem e anteontem pisaram os relvados alemães tinham estado em confinamento na última semana e acusado negativo para Covid-19 não muitas horas antes, mantendo-se, de seguida, em quarentena. Pergunta: sabendo disso, não é normal que muitos se tenham sentido à vontade para, depois de um golo, abraçarem os companheiros de equipa?
Mais e jogando mais à Paulinho Santos (à bruta): a questão do contacto durante os festejos é quase ridícula, se tivermos em conta que o futebol não deixou, por causa do coronavírus, de ser um desporto de contacto. Continuará a haver agarrões, continuará a haver marcação individual nos cantos e livres, continuará a haver exatamente tudo o que havia até aqui - a única coisa que não haverá mesmo é público, que é uma parte importante do jogo, é verdade, mas não faz, verdadeiramente, parte do jogo. Podemos falar em regras de distanciamento nos estágios, nos autocarros ou nos balneários. Falar-se em distanciamento social no relvado é, apenas e só, hipocrisia. Porque quem acha que um jogo de futebol pode decorrer sem contacto pode perceber de muita coisa mas há, de certeza, uma de que não percebe nada: de futebol.
Joguemos à Mário Jardel (à finalizador nato) e matemos de vez o assunto: exigir que os jogadores não se abracem nas celebrações de um golo é o mesmo que lhes dizer que não podem agarrar ou encostar-se num adversário quando tentam chegar primeiro a uma bola. Que teriam de estar, sempre, a metro e meio uns dos outros. Isso não seria futebol, meus amigos. Seria uma espécie de matraquilhos humanos. Haja alguma noção, porque embora haja discussões que valem a pena, há outras que, de tão absurdas, não deviam, sequer, começar. Aproveitemos, mas é, a oportunidade para desfrutar do jogo. Deixemos jogadores e equipas festejarem como quiserem, como se sentirem confortáveis, e passemos a discutir as táticas, os disparates dos treinadores - e, por cá, porque o futebol está diferente mas haverá coisas que, já percebemos por estes dias, não mudarão, os erros do árbitro e do VAR. Deixemos os jogadores (que já têm de cumprir regras bem mais apertadas do que qualquer um de nós), de parte, porque eles precisam é de estar tranquilos e poderem ter alguma normalidade dentro de toda esta anormalidade.