Futebol literalmente não literal

OPINIÃO22.08.201804:12

1 - Ainda vamos na segunda jornada do campeonato e a apoplexia futebolística já engoliu todos os outros desportos e as televisões - canais noticiosos - oferecem-nos em doses cavalares análises, comentários, repetições, discussões, suposições, estratégias, tácticas, funcionalidades, basculações, automatismos, mercados e mercadores, denúncias anónimas, expostas e impostas, fake news sobre quase tudo, conferências de imprensa tipo «a minha equipa entra em campo para ganhar», flash interview tipo «agora há que levantar a cabeça» (que diabo, ainda não será muito cedo para, antes, a ter baixado?). Tudo servido antes, durante e depois dos jogos, entre sismos e cheias, incêndios e praias, temperaturas e gastronomia, discursos e rentrées, visitas e inaugurações, impostos e greves, sem esquecer, evidentemente a cor das cuecas de Cristiano Ronaldo ou o bronzeado da dona Georgina.

Nestes últimos tempos, tudo isto tem sido reforçado com as eleições de uma importante instituição como é o Sporting Clube de Portugal, e que vão animar, em progressão geométrica, a malta até ao dia do voto. E, claro, essa aparição constante do ex-futuro presidente ex-destituído (ou do ex-destituído futuro ex-presidente), que nos surge a toda a hora com a comunicação pessoal em peso a ajudar à festa. Não sei mesmo se alguma figura pública conseguiria ter um décimo do seu tempo de antena!

Literalmente, o país noticioso é o que gira à volta do futebol e pouco mais. Eu que sempre gostei de futebol, que gosto de sobre ele escrever e conversar, cheguei a um tal ponto de saturação que faço coincidir, quase sempre, o apito final do árbitro com um descansativo zapping a que a televisão portuguesa, também inundada das telenovelas A, B, C , D e E, nos obriga. Felizmente, ainda há programas resistentes a este tsunami futebol-novela na RTP, menos sujeita às impiedosas leis de mercado e de obsessão das audiências, ainda que nos cravando a taxa de audiovisual com o insólito IVA sobre a dita taxa na factura da electricidade. Lembram-se do ‘f’ do futebol do Estado Novo? Uma insignificância comparada com o ‘F’ maiúsculo de agora, ainda que considerando a força dos novos meios de transmissão e comunicação.

Repito: o futebol tem hoje como desporto, actividade, espectáculo, negócio uma magnitude que não se pode desvalorizar. É uma área a que quase ninguém está agora indiferente e percebe-se a sua importância quer global, quer nacional. Todavia, estamos em tempos em que mais parece que o país vive só de e para o futebol. Tudo o resto se parece diluir na espuma dos dias e na voragem deste desporto totalizante.

Seria interessante fazer-se uma investigação cuidadosa e rigorosa sobre o tempo que os media reservam ao 1) futebol jogado; 2) futebol falado; 3) outros desportos; 4) teatro; 5) literatura; 6) cinema; 7) música (excluindo a pimba dos fins-de-semana); 8) ciência; 9) natureza … etc., etc. Se o resultado for uma cabazada futebolística, mais me preocupo com as novas gerações que adormecem e acordam no meio deste cabaz. 

Nem oito, nem oitenta. Tudo com conta, peso e medida. Temos boa imprensa desportiva, temos canais dedicados, que gosto de acompanhar e até de colaborar num contexto de legítima e sã rivalidade. Mas não transformem canais generalistas e noticiosos em albergues da futebolândia.

2 - No campeonato, duas jornadas apenas e alguns pontos curiosos. A começar pelas arbitragens sem grandes polémicas, ainda que certos programinhas de confronto para entreter a populaça vejam lances vezes sem conta com critérios variados em função das preferências. Em segundo lugar, os penáltis assinalados tendo por fundamento um braço, antebraço ou variantes. Deparamos com uma grande confusão: O Conselho de Arbitragem recomendou que os penáltis resultantes de bola nos braços e mãos só deveriam ser assinalados quando houver intencionalidade (elemento altamente subjectivo) no seu movimento. Mas, agora, verifico que está a ser assinalada a falta desde que haja aumento da volumetria do corpo do jogador. Em que ficamos, afinal? Referindo-me, em particular, ao que foi marcado a favor do Belenenses e, ao cair do pano, ao Porto, reconheço alguma coerência da arbitragem (ainda que não tenha visto a intencionalidade, em especial na falta do jogador do Belenenses que estava a um metro do rematador e de costas voltadas!). Apetece-me perguntar se não será melhor alguns jogadores serem especializados em atirar para os braços de adversários na grande-área, em vez de alvejar a baliza? Ou, então, transformar os defensores em manetas provisórios ou jogar com uma camisa de forças com braços cingidos ao corpo. É que agora tanto faz jogar com o braço na bola propositadamente, como deixar a bola bater no braço inadvertidamente. De frente ou de costas. Com a bola a ser chutada a meio metro, como a 10 metros. Com o bracinho a 15 cm do peito, como em posição de ‘asas abertas’. Com a bola a bater no braço quando o jogador o tenta evitar, como quando o jogador tenta cortar a jogada. Até anatomicamente, continuamos a dizer «mão na bola» quando é muito menos comum do que o braço e antebraço. Podem dizer-me que assim as regras são mais facilmente equitativas e objectivas (o que carece de prova, como certamente, ao longo das jornadas iremos verificando). Com o argumento pretensamente objectivo dos árbitros e VAR, o futebol perde na capacidade humana de ser ajuizado. Por que não pôr um infalível computador-robot a julgar estes lances e libertar a intervenção humana?

3 - Duas jornadas que bastaram para os três grandes já estarem isolados na frente, ainda que com a magnífica companhia do Feirense, única equipa que ainda não sofreu golos. Com maior ou menor dificuldade ou brilho, ultrapassaram os seus obstáculos. O Braga, tão precocemente eliminado por uma equipa ucraniana desconhecida na Europa, esteve lá perto, mas a sua defesa está a meter muita água (sempre começando a vencer as partidas, foram 7 golos em 3 jogos!). Pressinto que este vai ser mais um campeonato com poucos pontos perdidos por estas 4 melhores equipas. Tal como se verifica na Europa do futebol, acentua-se o fosso em Portugal. Os três rivais em duas jornadas, marcaram 18 golos, embora sofrendo 6. Tive pena de ver o meu segundo clube, os Belenenses, fora do Restelo, no Jamor num ambiente impessoal, distante, como se estivesse jogando em casa do adversário. O Benfica e o FCP ganharam agora com duas equipas que os haviam derrotado no ano passado. O SCP teve sorte no minuto final em que houve ‘mais penálti’ a favor dos sadinos (e se fosse ao contrário?) do que, há um ano, houve também no fim do jogo contra o Vitória, num penálti assinalado a favor dos leões que lhes garantiu o 1-0. Um ponto interessante destas jornadas, foram algumas (quase) notáveis recuperações: falo do Vitória contra o Benfica, do Santa Clara contra o Sp. Braga (aqui com um precioso empate) e do Belenenses recuperando dois golos de desvantagem e só sucumbindo pela nova jurisprudência ‘penaltista’.