Frescura física ou mental?
A vantagem que as águias têm para o clássico pode esfumar-se na cultura dos dragões
E M política há uma coisa chamada gestão de expectativas: traça-se um determinado cenário negativo para preparar a população para o pior, de forma a que no momento da verdade qualquer boa notícia ganhe uma dimensão maior. Foi assim, por exemplo, com o desporto profissional. Havia, em muitos responsáveis de clubes e organizações, um receio de nova paragem competitiva até ao anúncio de ontem à tarde do primeiro-ministro, António Costa. Se tal acontecesse, seria uma verdadeira catástrofe para a esmagadora maioria dos clubes em Portugal, pois ainda não recuperaram do lockdown da época passada. Caso houvesse o cancelamento da Liga Nos, a sangria seria tal que a edição seguinte da principal competição corria o risco de ter metade dos clubes. Quando tudo isto passar, quem pensa e faz mover o futebol profissional terá a obrigação moral de mover todas as forças e influências para combater esta fragilidade. Porque, tal como outras atividades no País, há muito potencial para ser explorado. Se acham (e bem) relevante que o futebol contribua para 0,3 por cento do PIB, acredito que este número poderia subir, e muito, a médio prazo. E não esperar por 2027, quando terminarem os últimos contratos de direitos televisivos negociados individualmente pelos clubes, uma aberração a cada ano que passa que vai deixando o campeonato nacional na cauda da Europa. Não há muito tempo, um jornalista turco perguntava-me, perplexo: «Como é que vocês, campeões da Europa, ainda vivem na Idade Média?» A minha resposta foi um silêncio envergonhado inicial, ao que se seguiu uma explicação sobre figuras, figurinhas, figurões, umbigos e uma tão portuguesa tradição de cada um tratar do seu quintal, sem pensar global.
E IS que a primeira jornada em confinamento severo terá um FC Porto-Benfica. Sendo um jogo teoricamente equilibrado pela força de ambos os clubes (as duas maiores potências nacionais da atualidade), os detalhes poderão fazer a diferença. Casos de Covid-19 à parte (de um dia para o outro corremos o risco de ficar desatualizados), as águias teriam a vantagem de o seu treinador ter feito descansar o principal onze na Taça de Portugal, ao passo que Sérgio Conceição viu-se obrigado a pôr muitos titulares frente ao Nacional, com tempo extra. E, somando a isto, a viagem. Num jogo empatado, talvez a partir dos 70/75 minutos e mantendo o clássico um ritmo alto, isto pode jogar a favor dos encarnados, mas tenho dúvidas de que a maior frescura física dos lisboetas seja superior à frescura mental dos portistas. O facto de Sérgio Conceição poder ser o primeiro treinador do FC Porto a vencer cinco jogos consecutivos frente ao Benfica diz muito da capacidade atual deste FC Porto, em muito graças a alguém que já entrou há muito na história dos dragões, conhecedor e difusor de uma mentalidade que não permite, de forma alguma, considerar aceitável uma derrota contra o seu maior rival, estejam os jogadores frescos ou exaustos. É este o segredo que tem permitido ao FC Porto superiorizar-se tantas vezes frente às águias que já chega a ser coisa banal. O desafio de Jorge Jesus não é apenas de ordem tática ou estratégica, será também combater uma cultura de derrota. Que já vem de trás.