FPF - ainda um ‘muro de Berlim’
Bom seria que os nossos dirigentes em vez de se lamentarem dos últimos 40 anos se dirigissem a quem de direito para que as leis fossem cumpridas
HÁ duas semanas, sob o título ‘água mole em pedra dura’, no meu habitual artigo de opinião, prometi que voltaria a escrever sobre a falta de democraticidade da Federação Portuguesa de Futebol, designadamente da composição da Assembleia Geral, que, aliás, considero uma manifesta violação da Lei da Actividade Física e do Desporto (Lei 5/2007, de 16 de Janeiro).
A Federação Portuguesa de Futebol, enquanto federação desportiva, constituída sob a forma de associação sem intuitos lucrativos, devia englobar, nos termos da lei acima referida, clubes (ou sociedades desportivas) de futebol, praticantes de futebol, treinadores ou técnicos de futebol e árbitros de futebol. Obviamente, digo devia porque, na realidade, não englobam, porque não são associados da FPF.
Na verdade, ao contrário do que diz a lei, nem os clubes de futebol, nem os praticantes de futebol, nem os técnicos ou treinadores, nem os árbitros de futebol são associados da Federação Portuguesa de Futebol, sendo tratados pelos estatutos desta como sócios de inscrição e filiação obrigatória, sem quaisquer direitos a participar na vida da federação, designadamente, no órgão deliberativo - Assembleia Geral. Só a ignorância do que significa englobar pode ser enganado com a pretensa democracia da FPF. É absolutamente ridículo dizer que a FPF se gere de acordo com princípios democráticos quando constatamos quem são os sócios ordinários desta federação desportiva. Mais que ridículo é uma afronta à inteligência dos cidadãos portugueses considerar que a Assembleia Geral é um órgão democrático. A única comparação possível é com a Câmara Corporativa do antes 25 de Abril, sendo certo que houve o pudor, que no caso não existe, de lhe dar apenas funções consultivas.
O famoso sistema na defesa do controle do poder, anteriormente das associações distritais, contornou uma lei da Assembleia da República, com a cumplicidade do poder político, e faz uma distinção, tipo chico esperto, entre sócios de inscrição e filiação (obrigatórios) e sócios ordinários, verdadeiros sindicatos de voto na defesa do poder. A famosa grelha continua a grelhar a democracia com uma coisa incómoda.
Assim, são sócios ordinários as associações territoriais, representadas na Assembleia Geral pelos presidentes de cada uma delas, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, as associações reconhecidas, pela FPF, enquanto entidades que contribuem para o desenvolvimento do futebol (Associação Nacional dos Dirigentes de Futebol, Associação Nacional de Enfermeiros e Massagistas e Associação Nacional dos Médicos de Futebol) e ainda as organizações representativas dos agentes desportivos: Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, Associação Portuguesa dos Árbitros de Futebol e Sindicato Nacional dos Jogadores Profissionais de Futebol, sendo os presidentes de todos eles delegados por inerência na Assembleia Geral da FPF. Uma vergonha, sem qualificação, num país que se diz democrático. A democracia da FPF tem de democracia o mesmo conceito que tinha a República Democrática Alemã antes da queda do muro de Berlim.
Bem gostaria, a bem da transparência, que a Federação Portuguesa de Futebol dissesse quantos são os associados da Associação dos Dirigentes, dos Enfermeiros e Massagistas e dos Médicos e qual o número de Dirigentes, Enfermeiros e Massagistas e Médicos ligados ao futebol e, de caminho, qual o seu papel concreto no desenvolvimento de futebol?
Maior transparência ainda justificaria que se esclarecesse a questão da representatividade dos pretensos representantes dos agentes desportivos, nomeadamente, dos jogadores de futebol, dos treinadores de futebol e dos árbitros de futebol. Sejam os sindicatos dos jogadores e técnicos, seja a APAF serão representativos dos jogadores, dos técnicos e dos árbitros? De todos os jogadores não é, seguramente, representante de todos os jogadores e, provavelmente, não será mesmo de todos os jogadores profissionais de futebol. E qual o grau de representatividade da Associação dos Treinadores e dos Árbitros relativamente aos treinadores e árbitros?
Evidentemente que não defendo que todos os clubes, todos os jogadores, todos os treinadores e todos os árbitros participem ou façam parte da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol. Mas defendo obviamente que a representação deles não pode ser feita através de associações de carácter patronal ou sindical, ou associações que não são nem uma coisa, nem outra, como é o caso da APAF.
Na verdade, não é legítimo que um praticante de futebol, um treinador de futebol ou um árbitro de futebol para se sentir representado na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol se tenha de filiar num concreto sindicato de jogadores, numa concreta associação de treinadores ou numa concreta associação de árbitros. Isto não só contraria a liberdade de associação, consagrada no artigo 146º da Constituição da República Portuguesa, como viola frontalmente a Lei 5/2007, de 16 de Janeiro, nos termos da qual uma federação desportiva engloba praticantes, treinadores e árbitros, e não organismos de classe que apenas representam os seus associados.
Para ver bem o ridículo desta situação, olhemos, por exemplo, para os estatutos do sindicato dos jogadores, nos termos dos quais o Sindicato ‘exerce a sua actividade com total independência, relativamente ao patronato, Governo, partidos políticos, instituições religiosas ou quaisquer agrupamentos de natureza não sindical’. Onde fica a sua independência quando é sócio ordinário da FPF assim colaborando na violação de direitos dos seus associados, como seja o direito do contraditório a uma acusação contra um trabalhador? Por acaso o Sindicato terá reparado que nos casos Palhinha e Paulinho o que está em causa são direitos de qualquer trabalhador e que nos estatutos do Sindicato se pode ler que este ‘tem por fim, em especial, defender e promover, por todos os meios ao seu alcance, os interesses colectivos dos associados’. Claro que reparou, mas isso é pouco importante em função da sua ilegal presença entre os sócios ordinários da FPF, em detrimento dos praticantes que dizem defender!...
Também a Associação Nacioal de Treinadores afirma a sua natureza sindical e a sua independência, mas também tem a sua cadeirinha enquanto sócio ordinário da FPF. Talvez por isso assistam pacificamente às chamadas chicotadas psicológicas com as consequências pouco éticas que determinam, esquecendo assim que, nos termos dos estatutos, tem ‘por finalidade alicerçar a solidariedade entre todos os seus membros, desenvolvendo a sua consciência sindical’.
Quanto à APAF, ao menos não tem natureza sindical ou patronal, tem o seu lugar na AG da FPF e controla um órgão desta através de uma porta giratória - o Conselho de Arbitragem.
Basta passar qualquer das fronteiras terrestres de Portugal, isto é, ver o que se passa em Espanha, para logo se constatar o subdesenvolvimento do futebol daquele país. Acreditam que em Espanha o sindicato dos jogadores, dos treinadores e a associação dos árbitros não faz parte da Real Federação Espanhola de Futebol?
O atraso do futebol espanhol relativamente ao nosso reside exactamente no facto de os membros da AG da RFEF serem eleitos em representação dos clubes, dos jogadores, dos treinadores e dos árbitros.
Bom seria, pois, que os nossos dirigentes em vez de se lamentarem dos últimos quarenta anos se dirigissem a quem de direito para que as leis fossem cumpridas e a democracia chegasse ao futebol. Bem sei que a democracia portuguesa começa a dar sinais de grande debilidade, mas, mesmo assim, talvez valesse apenas tentar.
O sistema do futebol português continua a ser um ‘muro de Berlim’!...