Fernando Chalana

OPINIÃO08.02.201923:49

Esta semana chocou-me profundamente a notícia de que esse pequeno/grande futebolista, que dá pelo nome de Fernando Chalana, sofre da doença de Alzheimer. Comecei por me aperceber desse facto quando da conferência de imprensa de Bruno Lage após o jogo Benfica-Sporting para a Taça de Portugal. Apesar de ser o Sporting o derrotado nesse jogo, parabéns ao actual treinador por dedicar a vitória a Chalana. É bonito, e sintomático de carácter, quando se está em alta, mostrar gratidão, por quem nos ajudou a crescer. Se Bruno Lage continuar a mostrar humildade e a saber estar, sem influencia da comunicação do Benfica, não tenho dúvidas de que poderá vir a ser um grande treinador, independentemente das luzes que apareçam a Luís Filipe Vieira, a qualquer hora do dia ou da noite.

A doença de Chalana, como outras parecidas ou similares, é algo que causa uma profunda apreensão, porque é das doenças modernas, como aliás outras, de que nenhum de nós está livre. A degradação física das pessoas é chocante, mas a degradação mental, mais que o choque, atemoriza. Todos nós, de uma forma geral, dizemos que gostamos de viver até muito tarde, mas com a cabeça no seu lugar. Sem sofrer e sem fazer sofrer os outros.

Claro que esta situação é chocante com todas as pessoas. Mas para quem já tem, como eu, mais de metade da vida ligada ao futebol, sinto uma particular tristeza quando este tipo de situações ou parecidas acontecem com jogadores que foram ídolos na minha infância, na minha adolescência e enquanto adulto, para não falar daqueles que já são de gerações muito mais novas.


Custa-me ver, mesmo que seja por culpa própria, alguém degradar-se, quando já foi alguém adorado, bajulado e idolatrado por milhares e até milhões de pessoas. Repito, mesmo quando é por culpa deles! E digo isto, porque muitas vezes também me sinto culpado, enquanto membro de uma sociedade que cada vez mais vive o momento presente, sem qualquer preocupação de futuro e muito menos solidariedade geracional. A gratidão já parece uma palavra fora do dicionário e um sentimento fora de moda; a ingratidão é já uma erva daninha que nasce espontânea e diariamente no nosso caminho pela vida.


Sem me querer pôr em bicos de pés, já abordei o tema por diversas vezes, e designadamente, na última campanha eleitoral para a presidência do Sporting Clube de Portugal.


Na verdade, acho que a grandeza de um clube não resulta apenas, nem fundamentalmente, dos títulos conquistados embora seja naturalmente o seu objetivo. Olho para os estatutos do meu clube de sempre e observo que no Sporting Clube de Portugal não se faz distinção de ascendência, género, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social, sendo únicos critérios de qualificação dos sócios a respectiva antiguidade, os galardões atribuídos e a contribuição que derem ao Clube. É verdade que isto não faz do Sporting uma instituição de caridade, que aliás não é, e, portanto, com a obrigação de dar uma atenção especial a todos os sócios, nos momentos em que estes precisam. No seu seio nasceu, aliás, uma instituição de solidariedade social denominada ‘Leões de Portugal’ que, dentro das limitações faz um trabalho notável em prol dos associados da terceira idade, e tem projectos ainda mais ambiciosos. Mas também podemos dizer que se um dos critérios de qualificação é a contribuição que deram ou dão ao Clube, é nosso dever, acho eu, que façamos alguma coisa, para em nome dessa contribuição, preservar a dignidade humana de ex-atletas, treinadores ou dirigentes, independentemente da origem da sua degradação. E se o nosso símbolo é o leão, significando este a força, a destreza e a lealdade, e, em consequência, não podemos pensar no que é o leão a arrastar-se na selva, ante a indiferença dos animais que antes o respeitavam, também não podemos deixar que aqueles que usaram o símbolo do leão no peito, vivam os seus últimos anos sem o mínimo de dignidade humana, diante daqueles que nesta selva contemporânea em que o homem vive, lhe mostram agora indiferença, quando noutros tempos lhe esmolavam um autógrafo entre abraços e aplausos.


Não quero que o meu clube seja assim para com os seus atletas, nem quero que o meu clube faça o contrário com todos. Mas com critério, a sua ajuda nestes casos, é apanágio da sua dimensão. Quero o Sporting, com títulos e vitórias, com dimensão nacional e internacional, mas não quero nunca que o meu clube abandone a sua dimensão humana, porque isso o torna ainda maior.


Fernando Chalana não foi jogador do meu clube, antes, pelo contrário, causou-lhe - e a mim por tabela -  alguns dissabores! Não posso, porém, ficar indiferente à sua situação. Conheci-o aliás pessoalmente, como conheço - e sou amigo - de muitos jogadores do Benfica, como de outros clubes, incluindo, obviamente, o meu, e essa é a fortuna que o futebol me deu e dá. Amigo comum, também ligado ao futebol, pediu-me ajuda profissional, para o Chalana, em momento menos feliz da sua vida. Acho que já não jogava futebol. Tinha grande admiração por ele enquanto jogador de futebol, gostei de o conhecer e simpatizei com ele, enquanto ser humano. Quanto valeria hoje no mercado internacional?
Sou muito crítico de Luís Filipe Vieira, sobretudo nos últimos tempos, enquanto Presidente do Sport Lisboa e Benfica. Mas tanto quanto o conheço, não tenho dúvidas de que não deixará Chalana entregue ao destino de uma doença terrível.


O que os olhos não vêem, o coração não sente. É verdade que cada vez vemos mais futebol, programas de futebol e sobre as tricas do futebol, de uma forma quase obsessiva, que não nos dá tempo para olhar o passado e pensar o futuro. Sportinguistas, benfiquistas, portistas e demais adeptos do futebol já não vimos hoje o Chalana a pisar os relvados e a encantar-nos com o perfume do seu futebol. Mas o coração de todos nós, porque hoje é um homem do Benfica, como amanhã pode ser do Sporting ou do Futebol Clube do Porto, tem de estar com ele.


O que os olhos não vêem, o coração não sente. Mas o futebol é uma paixão, e essa grande paixão são jogadores, como o Chalana, que a alimenta. Sejamos gratos!...