Falar de futebol

OPINIÃO18.01.202118:52

Amorim confirma-se com um homem de carácter mais uma vez, reconhecendo que o Sporting não ganhou por culpa própria

P EDRO Adão e Silva é, na minha opinião, um dos mais talentosos analistas e comentadores da actualidade. Nem sempre estou de acordo com o que escreve e diz, mas tem um raciocínio muito claro que expõe num estilo sempre muito agradável. Benfiquista assumido, mas sem fanatismo ou cartilhices, e, sobretudo, exige ao seu clube a seriedade e transparência que eu exijo ao meu. Amor e paixão sim, mas limitada por valores em que ambos, como muitos outros, fomos educados! Pedro Adão e Silva também escreve em jornais desportivos, e também já o vi participar em programas desportivos - sempre com o mesmo carácter!
Esta semana, na sua habitual coluna do Record, este professor universitário escreveu um interessante e actual artigo, sob um sugestivo título: ‘Quem pode falar de futebol?’ Quem não conheça Pedro Adão e Silva diria que se trata de uma pergunta estúpida ou idiota e responderia que, independentemente do estilo e das calinadas no português, todos podemos falar de futebol, como podemos falar de qualquer assunto, dentro de um princípio sagrado, que nem todos apreciam, mas está na Constituição da República Portuguesa: a liberdade de expressão e pensamento que se traduz no «direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações».
Acrescenta a Constituição que «o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura». No futebol, as autoridades, à falta da censura usam muito o processo disciplinar como forma de limitar a certos agentes desportivos o uso de exprimir livremente um pensamento ou uma opinião!
É evidente que o artigo de Pedro Adão e Silva se não refere à liberdade de expressão e pensamento, mas sim ao discurso em voga de alguns treinadores, alguns de renome, segundo o qual só pode falar de futebol quem passou pelo balneário. Quando ouço isto durante a manhã dá-me vontade de rir, e, quando é ao pôr do sol, invade-me uma profunda tristeza, dada a idiotice de tal afirmação. E lembro-me sempre do Arquitecto Anselmo Fernandez, que, em 1964, agarrou na equipa do Sporting e com ela ganhou a Taça dos Vencedores das Taças, sem que antes, segundo penso, tenha qualquer experiência de balneário, a não ser as casas de banho de sua casa ou do seu atelier.
A humildade é sinónimo de inteligência e a arrogância não disfarça a incompetência nem a inabilidade para viver com a crítica. Era o que faltava que só pudesse falar de futebol, quem tivesse experiência de balneário. Era o mesmo que eu dizer que só pode falar de justiça quem já tivesse estado num tribunal ou só poderia falar de prostituição quem tivesse sido prostituta! Esses treinadores queixam-se da falta de público por causa da pandemia, mas mesmo sem Covid que iriam lá fazer se não podem falar de futebol por não terem experiência de balneário? E os jornalistas e comentadores também não podem escrever sobre o tema futebol, quando é essa a sua missão? Só quando veem o mesmo jogo que o treinador é que podem falar de futebol? Se os jornalistas e comentadores não podem escrever ou falar sobre futebol, sem experiência de balneário, onde aliás não podem ou não devem entrar, analisam os treinadores e os jogadores sob que ponto de vista? Do estilo da linguagem erudita ou rasca, dos pontapés na gramática ou dos erros de português?
Era o que faltava que eu ou outro qualquer que opinamos sobre futebol não pudesse emitir opinião mesmo sobre os aspectos técnicos só porque não joguei à bola, mesmo a brincar! Era o que faltava que eu não pudesse apreciar ou comentar se gosto ou não da forma como foi pintada uma parede ou um quadro, só porque nunca pintei com trincha ou com um pincel!
É por falar de futebol como uma coisa simples e não como uma ciência oculta que eu gosto cada vez mais de Rúben Amorim. E é por isso, além de estar a treinar o Sporting, que ele vai ter cada vez mais detratores! Manifesto o corporativismo que tem funcionado contra ele.
Os jornalistas sérios - e o sério devia ser redundante - têm chamado a atenção de que Rúben Amorim tem, por regra, nas suas conferências de imprensa, fala do jogo que todos viram e não de outro, que só o treinador (normalmente vencido) descortinou! Mas são estes que normalmente falam da experiência de balneário perante os críticos!...
Rúben Amorim, perante algumas críticas, umas com boa intenção, outros com algum veneno, aliás já esperado para a primeira derrota nacional, assumiu que não perdeu o jogo com o Marítimo por causa das alterações na equipa!
Pessoalmente, como nunca estive eufórico, e agora também não entrei em depressão, acho que ele tem razão, além de que mostra o seu carácter e a coerência de uma afirmação, que muitos gostam de proferir, mas que afinal não vivem: onde vai um, vão todos! Na verdade, o Sporting levou para a Madeira, perante os duelos exigentes, não uma equipa, mas uma parte do plantel. Tem uma viagem acidentada, um jogo que nem se iniciou, mas começou no dia seguinte num campo impraticável, a exigir um sacrifício físico e mental, com grande desgaste, e faz uma grande exibição, nas circunstâncias que sabemos.
Há muito tempo que eu não sofria tanto como nesse jogo com o Nacional! E porquê? Porque naquelas condições, estar a vencer pela diferença mínima, e ter de admitir que uma bola pode ficar presa na lama e proporcionar o golo do empate ao adversário, é absolutamente desgastante. Vi o golo do alívio do Jovane, mas, quase acto contínuo, comentei: vamos pagar a factura no Marítimo!
Errei, porque, na realidade, acho que com as alterações de Rúben Amorim a equipa apresentou uma frescura que não me passava pela cabeça e podia ter resolvido o jogo ainda na primeira parte. Faltou pura e simplesmente eficácia, tal como de resto acontecera com o Sporting de Braga, que terá jogado melhor que o Sporting, mas não foi, e ainda bem, tão eficaz.
Mas do que gostei foi na conferência de imprensa ver Rúben Amorim assumir um projecto: «Não me esqueço onde estou e qual é este projecto. Se temos jogos entre dois dias e não vamos meter jovens e outros a jogar, quando é que eles vão jogar? Levo muito isto assim. Confio neles todos e provo isso durante a época.» Ouço todos os dias falar em projecto aos jogadores, aos treinadores e aos dirigentes, seja em entrevistas, em eleições ou em outras ocasiões. É uma palavra bonita, cativante e atraente, mas fico sempre a pensar que se perguntasse que projecto era esse, a maior parte deles ficaria engasgado e repetiria mais dez vezes a palavra sem explicar o que isso significava.
Projecto é aquilo que alguém planeia e pretende fazer. Rúben Amorim explicou de uma forma tão simples qual é o seu projecto e a sua determinação em o levar a cabo. No Sporting é preciso coragem, outra das suas características de liderança. Ao ouvi-lo, eu que nunca joguei futebol, nem treinei futebol, apenas tendo uma pequena experiência de balneário, enquanto dirigente pediria ao Rúben que assinasse pelos próximos dez anos!

Falar do futebol

O empate sofrido com o Rio Ave não retira uma palavra ao que escrevi, antes pelo contrário. Rúben Amorim confirma-se com um homem de carácter mais uma vez, reconhecendo que o Sporting não ganhou por culpa própria. Não arranja desculpas!
Já não pude ver de camarote o Porto-Benfica!
Acabou por ser um dia de empates e ficou tudo na mesma.
Aconteceu futebol. O futebol de que todos podemos falar, porque sabemos de futebol e do futebol, e só as vezes não percebemos os treinadores. O futebol não tem graça sem os treinadores de bancada!...