Eu, o Anselmo

OPINIÃO18.03.202106:00

Era arquiteto, peguei no Sporting, ganhei 5-0 ao Manchester United (e não, não tinha nível IV)

C HAMO-ME Anselmo, Anselmo Fernandez porque os meus pais eram espanhóis de Zamora. Nasci em Lisboa  por 1918 - e o que aqui conto não é por jactância (verão...) Aos 14 anos fui ao Lumiar oferecer-me para futebolista do Sporting - e, aos 19, Joseph Szabo puxou-me para a equipa principal. O destino não tardou a fazer-me, traiçoeiro, a primeira suja finta: operado ao apêndice, experimentou-se em mim método de anestesia através de injeções na coluna e partindo-se 13 agulhas na minha espinha passei toda a época que seria a do meu lançamento em convalescença. Também jogava râguebi e, para me dedicar ao curso de arquitetura que começara, fui, então, deixando de ser o futebolista que poderia ter sido:  médio de ataque  habilidoso de pés e folgado de pulmões.
Quando se avançou para a construção do Estádio de Alvalade, eu e o Sá da Costa oferecemo-nos para lhe fazer o projeto, sem nada cobrar.  É verdade que o Sá da Costa tinha fortuna pessoal, eu não, mas não importou. Com 1962 a correr para o fim, a direção pediu-me mais: ajudar o treinador a endireitar a equipa de futebol. Saí-me bem, reconheço. Menos de dois anos volvidos, na sequência da derrota em Manchester por 4-1 Manuel Nazaré, o médico moçambicano que tirava sangue a Salazar, sugeriu que tomasse a função de Gentil Cardoso, ficasse, outra vez, treinador principal - e ainda me saí melhor, reconheço-o. Comecei com 5-0 ao Manchester United, acabei com a Taça das Taças ganha - e retornei à arquitetura. Ainda voltei a treinador do Sporting e da CUF, acidente na ponte atirou-me para uma cadeira de rodas. Fazendo hoje 57 anos os 5-0 ao United, apeteceu-me vir aqui dizer que não, não tinha o nível IV -  só tinha o saber do jogo e o espírito que faziam de mim o treinador que eu era sem o ser: gostava de abater os adversários pela surpresa e estimular os jogadores pelo inesperado, nada temendo. Nunca joguei mais de 25 minutos com a mesma tática, no banco tinha perspicácia que, amiúde, até a mim me espantava - e era o que bastava...