«Este escrete é o herdeiro dos bons tempos de Telé»
O Brasil confirmou-se, pelo futebol que mostrou frente ao México, como principal candidato à vitória no Mundial da Rússia. Num jogo sem autocarros, em que os norte-americanos até tiveram mais posse de bola (54% a 46%), o escrete canarinho mostrou-se uma equipa solidária, com uma defesa coesa e bem articulada com o excelente ‘goleiro’, um meio-campo disponível para as tarefas de recuperação de bola e um ataque cheio de velocidade e imaginação. Gabriel de Jesus fez uma partida ao nível do que lhe tem sido visto no City, Willian foi o principal acelerador do onze brasileiro e Neymar, ainda à procura da melhor forma, esteve nos dois golos, marcando o primeiro e provocando a defesa de Ochoa para o 2-0 de Firmino.
OS NÚMEROS
Olhando a estatística do Brasil-México, percebe-se que o México teve mais bola 373 passes (305 certos), contra 361 (292 certos do Brasil) e foi também mais faltoso (18 a 8); mas o dado mais preocupante para o Brasil não é esse. Problemático para a equipa de Tite será que o escrete tenha corrido mais que o México (89 km a 87 km), o que nunca é um bom sinal numa prova longa e desgastante como o campeonato do Mundo. Ainda faltam ao Brasil três jogos (se passar os quartos-de-final) e as energias acumuladas são uma mais-valia preciosa para a exigência que se segue.
Optando por não fazer pressão alta, marcando à zona, o Brasil dá-se muito ao jogo, ao contrário do que acontecia com as equipas de Felipão, Parreira, Zagallo ou Dunga, mais calculistas e económicas. Este conjunto liderado por Tite, faz lembrar, não na plenitude da excelência, mas em alguns momentos de futebol-arte, o escrete de Telé Santana de 1982, um conjunto icónico na história dos Mundiais.
Mas também como acontecia com a equipa-maravilha de Telé, o Brasil de Tite expõe-se bastante ao contra-ataque e isso pode ser um perigo quando tiver de enfrentar equipas mais bem apetrechadas do que o México. Aí, os espaços dados pelo Brasil podem ser fatais…
NEYMAR
Neymar jogou bem, ainda sem deslumbrar. Marcou um bom golo, esteve no outro e ainda podia ter faturado em mais algumas ocasiões, perdendo-se as oportunidades quer por mérito de Ochoa, quer por falta de convicção de Neymar. Mas, se Neymar quiser ser líder do Brasil e do PSG não pode continuar a alimentar números de circo, que só o descredibilizam. A ‘fita’ que fez, aos 70 minutos, depois de ter sido pisado por Layún (comportamento incorreto, passível de cartão amarelo, e não agressão) ficou-lhe mal e fê-lo cair no ridículo. Jogador que é campeão não faz coisas de garoto. Jogador que é campeão dá o exemplo, dá a cara pela equipa, não simula nem engana como um futebolista de quarta categoria.
É por esta e por outras que Neymar não é levado tão a sério quanto o seu futebol genial quiçá justificaria.
MÉXICO HONRADO
O México despediu-se do Mundial deixando boa impressão. Hector Herrera revelou-se no maior palco internacional, como centro-campista de elite, enquanto de Guardado e Vela se revelaram futebolistas muito acima da média. Da compatibilização de um campeonato interno rico e muito disputado com a exportação de talentos para algumas das melhores Ligas europeias dos principais valores, os mexicanos vão cumprindo a missão que lhes é conferida pelo estatuto de potência regional de que desfrutam. Valem, para já, de forma consistente, um lugar entre as 16 melhores seleções. E daqui a oito anos vão ser anfitriões, pela terceira vez, de um Mundial, o que significará mais investimento e interesse no fenómeno do futebol.
JOSÉ MANUEL DELGADO,
Diretor Adjunto do jornal A BOLA