Estamos a perder o comboio da Europa
Haverá sempre a tentação de fazer análises estruturais à luz de acontecimentos, eventualmente marcantes, mas conjunturais, ou, mesmo, acidentais. Digo isto, porque se torna importante registar, desde já, que as recentes derrotas do Benfica e do Sporting nas provas europeias apenas ajudam a consolidar uma tese que, sendo discutível, quiçá polémica, eu tenho vindo a defender.
Ditas as coisas de forma nua e crua, para irmos diretos ao assunto essencial, eu defendo que o futebol português está a perder o comboio da Europa. Ano após ano, os melhores clubes portugueses estão mais distantes dos melhores e até dos médios clubes europeus e os médios e pequenos clubes portugueses começam a ficar distantes da média-baixa do futebol da velha Europa.
Haverá, obviamente, quem diga, sem hesitação, que não poderia ser de outra maneira, sobretudo desde que a UEFA e a FIFA condenaram o futebol à espartana realidade do poder económico. E assim, clubes médios ou pequenos de certos países, mas que têm orçamentos muito superiores aos orçamentos dos maiores clubes portugueses, têm todos os trunfos na mão para terem melhores jogadores, melhores treinadores, melhores equipas, melhores condições de trabalho e, por isso, lógica e normalmente, ganharem.
Assim seria, de facto, não se desse o caso muito especial do futebol ser um jogo mágico e que permite, a quem tiver essa arte, transformar o previsível na surpresa, transtornar a mais óbvia realidade, descartar até essa clara evidência da realidade social onde o estatuto e o poder é, sempre, de quem tem mais dinheiro.
Foi essa arte, esse muito especial engenho do jogador e do treinador português, responsável por resistirmos na nossa realidade física de pequeno país periférico e conseguirmos, para espanto e até inveja de uma falsa elite que esconjura o futebol, manter os clubes portugueses a um alto nível competitivo nas provas europeias.
Evidentemente que não esquecemos que se foram acrescentando maiores dificuldades na última década, mas o claro deslizamento do FC Porto, e as quedas desamparadas do Benfica e do Sporting nos confrontos europeus, a que podemos juntar a penosa ineficácia internacional dos nossos clubes médios, deveriam ter feito soar, desde há algum tempo, os mais estridentes sinais de alarme.
Perante factos que estão à vista de todos e que apontam claramente para a necessidade de um pensamento reformador do futebol em Portugal, consolidando o que tem de muito bom (formação de jogadores) e revendo o que tem de muito mau (falta de competitividade interna e vício de uma cultura de exigência de vitórias de quintal), assiste-se a uma dormente e perigosa passividade, que se esconde por detrás das mais abjetas algazarras, que são coincidentemente estúpidas, não vão além do supérfluo e apenas exibem, com estrondo, a mediocridade do pensamento da maioria e a indigência do seu caráter.
Não é bom, porém, que continuemos a dar por adquirido, sem nada questionar, que temos os melhores treinadores do mundo, se a maioria das nossas equipas rebentam aos 60/70 minutos de qualquer jogo que obrigue a outra intensidade competitiva. E não é certamente melhor que não se tente entender por que razão os nossos mais jovens jogadores têm conseguido mais e melhor crescimento no estrangeiro. Também não será avisado apaziguarmos as consciências ao vermos a Liga preocupar-se mais com o negócio e com os seus aliados institucionais, numa corrida contra uma Federação que, perante a complexidade da situação, cuida, antes de tudo, de salvar as suas seleções nacionais.