Esta conversa já não pega
Conceição teve quase tudo o que pediu, dentro das limitações do FCP. Tática do ‘agarrem-me senão vou-me embora’ não resulta sempre
Afórmula não é nova mas Sérgio Conceição parece acreditar nela: abanar o barco com violência, obrigando os seus ocupantes a segurarem-se e perceberem que só sobreviveram porque foram buscar forças ao fundo das suas reservas. Ouvir o treinador do FC Porto, no final da goleada sofrida diante do Liverpool (1-5) dizer que vai falar com Pinto da Costa, ameaçando poder vir a sair do cargo se perceber que a sua mensagem não passa faz-nos recordar as fortes declarações do técnico a 26 de janeiro de 2020, após uma derrota com o SC Braga (0-1) nas meias finais da Taça da Liga: «É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano, sem reforços e sem dinheiro; no segundo, falta de verdade desportiva; e neste ano sem união dentro do clube. Fica difícil... Neste momento o meu lugar está à disposição do presidente.» Todos sabemos o que se passou depois. Sérgio Conceição não só não saiu como reforçou o seu poder e acabou... campeão.
No último defeso assistimos à novela em torno da continuidade ou saída do FC Porto após o término do contrato. Momentos houve em que esteve com um pé fora (perto de assinar pelo Nápoles, cujo presidente terá soltado a informação sem, no entanto, ter todos os dados confirmados), mas a pressão de Pinto da Costa, o amor pelo clube e a cidade e a noção de que dificilmente conseguiria um melhor projeto desportivo (porque os outros clubes de Champions já estavam todos ocupados) conduziram à natural renovação e continuidade com os tais poderes reforçados do passado elevados a uma condição superlativa traduzida em reforços (Fábio Cardoso, a transferência em definitivo de Grujic, os regressos de Bruno Costa e Vitinha e a chegada de Wendell como principais destaques) e, ainda mais importante, na permanência de Corona e Luis Díaz.
Ou seja, Sérgio Conceição parece ter iniciado a temporada 2021/2022 com tudo o que quis dentro dos condicionalismos de um clube com finanças muito débeis. Talvez possua, em qualidade e quantidade, o melhor plantel desde que é treinador do FC Porto. Surpreende, pois, que dois meses depois do início da época já esteja a queixar-se da atitude da sua equipa. Diante dos reds cometeram-se erros individuais, é certo, mas como pode uma defesa (e o respetivo guarda-redes, guardião não apenas da baliza mas de muitas referências coletivas do setor) ter uma dinâmica de excelência (porque é de excelência de que falamos quando se quer parar um adversário como o Liverpool) quando um dos centrais (Fábio Cardoso), forçado à estreia face à lesão de Pepe, não contava com qualquer minuto de competição? Ou como pode Zaidu ter a confiança para não falhar? E qual é o estado anímico de Corona, claramente um jogador em modo mecânico, sem alegria, cumprindo com brio o lugar de lateral-direito mas sem o rasgo que fez dele o melhor jogador do campeonato de 2019/2020?
Face ao exposto parecem-nos não só exageradas as palavras do técnico dos azuis e brancos como desprovidos do fogacho que poderia provocar nos homens com quem trabalha. Este lema do agarrem-me senão vou-me embora resultou uma vez, mas não parece pegar no atual contexto porque não foi apenas com atitude que os dragões conseguiram, por exemplo, serem muitíssimo competitivos na época passada diante do Manchester City - a estratégia contou muito; o mesmo não se pode dizer sobre o filme de terror anteontem, no Dragão.
ABEL FERREIRA não parece ter os mesmos problemas de Sérgio Conceição. Se havia dúvidas sobre o casamento entre os jogadores do Palmeiras e as ideias do seu treinador, ficaram dissipadas na madrugada de ontem, na segunda meia-final da Taça dos Libertadores, frente ao Atlético Mineiro. Os detentores do título não têm um futebol espetacular mas sabem tudo o que fazer para respeitar uma estratégia e não entram em pânico mesmo quando um adversário teoricamente superior está por cima. Mérito para o técnico português do verdão, tão genuíno, impulsivo e apaixonado como Sérgio Conceição, a quem são perdoados os excessos quando ganha. É assim o futebol...