Esse frenético dérbi da política
A verdade é que a futebolização da política, que inclui comentadores de camisola vestida, não honra nem a política nem o futebol
A equipa que veste de rosa defende o seu título nacional. O maior de todos os seus rivais joga de laranja e pretende desalojar o adversário da liderança. Ambas as equipas têm treinado muito, nestas últimas semanas, apoiadas por técnicos pluridisciplinares, que escolhem gravatas, poses, cortes de cabelo, óculos mais modernaços e ainda descobrem modos de dar caneladas sem que o árbitro veja razões para falta. Não há VAR. O jogo, como todos os jogos de futebol, dura hora e meia e, antes do apito inicial, o país inteiro está sentado no sofá, preso à televisão. Exige ver espetáculo e golos na baliza de quem menos gosta. Entretanto, os comentadores, alguns de camisola vestida até às orelhas, que torcem tanto pelas suas equipas que fazem corar de vergonha os habituais comentadores da bola, desalojados, sem dó nem piedade, das suas habituais bancas de venda, preparam um discurso que, aliás, já anteciparam segundo as suas conhecidas paixões clubísticas. Eles não serão, sequer, os juízes no julgamento popular, mas, salvo honrosas exceções, são os eleitos para dizerem que o seu candidato ganhou e justificarem a decisão com a cartilha que, zelosamente, decoraram.
Razão tinha o Pacheco Pereira quando, antes de começar o campeonato, alertava para os perigos do ato eleitorial poder vir a ser manipulado pela excessiva intromissão de projetos e interesses editoriais. Aí, valha a verdade, os Estados Unidos dão exemplo, quando os grandes jornais e canais de televisão fazem, desde o início, uma declaração de interesses sobre quem vão apoiar. Não enganam ninguém. Quem compra e quem vê sabe por que o faz.
Durante o jogo, há, como em todos os outros, momentos de empolgamento geral. Dribles, cargas antes do tempo, livres diretos e indiretos, cantos curtos, passes a rasgar para o outro flanco, oportunidades de golo. Os artistas brilham em campo e, quando o adversário faz pressão alta, lançam-se números, muitos números que ninguém, em boa verdade, consegue absorver, mas que ficam sempre bem em cena e dão um ar de conhecimento do assunto.
No final, como é de bom tom desportivo, os adversários cumprimentam-se e a malta fica com a noite ganha porque, até à hora da deita, há, finalmente, um assunto para discutir, que não seja o futebol. Aqueles que continuam a ver os diversos canais de televisão reparam que o espetáculo ainda não terminou. Os jogadores entram na flash interview com desenvoltura e ar de um dever cumprido. Nenhum tem dúvidas sobre a justiça da sua própria vitória.
O grande dérbi da política foi transmitido por todos os canais generalistas e o país, pacóvio, mas excitado, tomou-se de amores pela Segurança Social, a fiscalidade, o crescimento da economia, a saúde pública e a famigerada TAP, que ganhou direito a entrar no palco das emoções roubando lugar à educação, à cultura, ao desporto, ao aquecimento global, à política internacional, ou às migrações. Coisas menores, como se vê...
Quem ganhou? - era a pergunta sacramental feita até à exaustão, no final do embate. Muito à semelhança daquela pergunta repetidamente estúpida de quererem saber, antes dos jogos, quem vai ganhar e quem vai marcar os golos.
A verdade é que a futebolização da política, sobretudo nos seus aspetos mais primários, que inclui, como não podia deixar de ser, o incontornável benefício dos grandes, não honra nem a política, nem o futebol. Haverá, porém, uma diferença decisiva. No futebol, os resultados são decididos pelos protagonistas. Na política, é o povo quem decide. Por isso, o único jogo que conta será o do próximo dia 30.
NÃO HÁ EXCEÇÕES PARA ESTRELAS
Sou fã de Novak Djokovic. Mais de gostar de o ver jogar acho-o um atleta excecional. No entanto, embirro solenemente com a sua mais recente atitude de arrogância, ajudando a promover a ação dos negacionistas que têm todo o direito a pôr em risco a sua própria saúde, mas não têm qualquer direito em pôr em risco a saúde dos outros. Por isso, apesar de me sentir penalizado, enquanto adepto do ténis de alto nível, acompanho a determinação e até a coragem do governo australiano para quem a lei não admite exceções, nem mesmo a estrelas.
O REI DA FESTA DE DOWNING STREET
Boris Johnson gosta mesmo de festas. Quem o vê, mesmo nos momentos de desempenho oficial, não descobre nele a figura institucional de um primeiro-ministro e por isso não fica especialmente admirado por saber que, no mesmo dia em que apelava ao confinamento dos cidadãos britânicos, brindava com largas dezenas de convidados, nos jardins de Downing Street e, enquanto a rainha cumpria o seu luto, Johnson alegremente bebia uns copos em mais uma festa de risco. Tradicional e moralista, o povo britânico não lhe irá perdoar.