Entendendo os gregários

OPINIÃO24.10.202004:00

Pouca coisa será mais pesarosa no desporto do que o corredor que pedala para o líder da equipa, que o leva montanha acima para depois, pássaro abatido, encostar-se à berma. No ciclismo, a equipa é um contrato, raramente tem o simbolismo de um clube. Estar na equipa que ganha não é ganhar, como no futebol. Toda a gente sabe o que Maradona fez em 1986, mas quem gosta de futebol sabe quem foi Burruchaga. Há um documentário bom sobre este tema admirável dos gregários, Wonderful losers, gravado em Itália, em 2015.

«É a metáfora da vida», destaca o realizador lituano Arunas Matelis. Na passada quinta-feira, enquanto seguia a etapa do Giro, tentando impulsionar João Almeida com a mente, senti, por ausências, a importância destes homens, artistas do sacrifício. Primeiro, Jay Hindley, australiano, não carregou o líder da equipa, o holandês Wilco Kelderman. No final, em fotografia desconfortável, Kelderman foi questionado sobre a opção do colega, que fizera corrida mais pessoal e menos em prol do líder, e lamentou: «Não sei porque não me apoiou.» Segundo caso: ninguém ajudou João Almeida. Fausto Masnada, quem podia, no final estava tão triste por não ter conseguido levar o português que foi este a consolá-lo.

Destes, só Hindley falhou no trabalho de gregário, repare-se. Masnada, não. Só falharia se não tivesse tentado ou ousasse correr para ele e não para o líder. São lições. Tristes, mas ainda assim. Há um livro sobre gregários que lerei brevemente por recomendação de um amigo: Domestique, a história de Charly Wegelius. Quem? Pois, lá está.... Diz-me esse amigo: «É um desalento. É como ouvires Nick Cave com a testa encostada à janela enquanto chove lá fora.» Parece-me ótimo. Há uma beleza qualquer na dor e no sofrimento.