Embaixadores de Portugal

OPINIÃO16.03.201910:29

Era suposto não escrever esta semana pela simples razão de, na terça-feira, à hora de jantar, ter partido para Abu Dhabi, juntamente com o Senhor Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Dr. João Paulo Rebelo e o seu assessor Nuno Laurentino, para assistir à cerimónia dos Jogos Mundiais de Special Olympics, evento que contará com a participação de 7000 atletas, 2500 treinadores e dirigentes em representação de 170 países em 24 modalidades desportivas - uma organização envolve ainda cerca de 20 000 voluntários e uma assistência esperada de cerca de meio milhão de espectadores. Trata-se de um evento quadrienal de referência do calendário internacional no desporto para pessoas com deficiência onde Portugal estará representado por uma delegação composta por 48 elementos, dos quais 31 são atletas em representação das modalidades de Atletismo, Equita- ção, Futebol de 7, Ginástica Artística, Ginástica Rítmica, Golfe, Judo, Natação e Ténis de Mesa.
Eu, apesar de Presidente do Special Olympics Portugal, não tinha previsto deslocar-me a Abu Dhabi, por motivos profissionais. Mas, surpreendido, diria mesmo, gratamente surpreendido, pela deslocação do Secretário de Estado, não podia deixar de estar presente, não só por razões institucionais, mas, sobretudo,  como forma de manifestar a minha gratidão por tão estimulante presença, designadamente para os atletas e técnicos que se dedicam a esta causa de alma e coração com resultados que merecem a estima e consideração de todos os portugueses, tenham ou não deficientes intelectuais entre os seus familiares mais próximos ou mais remotos.


É pena que a comunicação social portuguesa não ligue rigorosamente nada a estes eventos, que honram e dignificam Portugal, e são uma excelente ocasião para divulgar um Movimento que hoje alberga mais de dois milhões de praticantes. Muita gente perceberia como um simples gesto de afecto para estes jovens vale mais que mil teorias sobre a sua inclusão social.


Mal o avião levantou no Aeroporto Humberto Delgado, tivemos ocasião de ver em directo, em pleno voo, parte da segunda parte do jogo do dia: Juventus-Atl. Madrid. Vibrámos logo ao ver que a equipa italiana vencia por 22-0, com dois golos do extraordinário futebolista português que se chama Ronaldo, por outros conhecido simplesmente como Cristiano, e que o mundo está a consagrar como o maior futebolista de todos os tempos. São trinta e quatro anos de idade, com formação Sporting Clube de Portugal, e passagem - até ver - por três dos maiores clubes do mundo, representativos das três maiores potências mundiais ao nível de clubes - Manchester United, Real Madrid e agora Juventus. Naqueles dois países foi campeão nacional e prepara-se para ser também campeão de Itália. Só isto seriam pontos importantes de qualquer currículo; mas também tem conquistas na Liga dos Campeões e deu um passo, ou melhor, três passos gigantes para levar a taça para Itália.
O que acabo de dizer já todos sabem, e só o entusiasmo com que escrevo sobre ele, me levou a este memorando curricular. Voltando à viagem, aos setenta e poucos minutos a transmissão foi interrompida, e veio então então o sofrimento, quase à Sporting: por causa do Ronaldo e também por causa do meu cunhado italiano, fervoroso adepto da Juventus e hoje também adepto do Sporting. Como eu gostaria de ganhar títulos consecutivos como ele ganha!...


Mas o meu pequeno televisor do avião retomou a transmissão aos 94 minutos e, quando vi 3-0, acho que vivi um dos minutos mais compridos. Quanto o o árbitro apitou, só o cinto de segurança evitou o meu salto, porque o grito da vitória e o punho cerrado no ar, não houve nada, nem ninguém, que segurasse. E quando percebi que o terceiro golo também fora de Ronaldo. Fiquei espantado como, a este nível, um hat trick parece tão fácil! Foi de pénalti o último, é verdade, mas foi mesmo para fechar com chave de ouro. Lotaria? Qual lotaria? Classe pura, convicção, determinação, num momento decisivo para decidir uma eliminatória da Liga dos Campeões. O marcador chama-se Cristiano Ronaldo, o grande embaixador de Portugal, com embaixada em qualquer parte do mundo, como horas depois constatei em Abu Dhabi: Portugal? Ah, sim, Cristiano!...Depois de Embaixador de Portugal, só espero que venha a ser Presidente do Sporting Clube de Portugal!...
Depois da chegada a Abu Dhabi (manhã de quarta-feira) fomos recebidos ao fim da tarde na residência do Senhor Embaixador de Portugal nos Emiratos Árabes Unidos, Dr. Joaquim Lemos. Pouco tempo depois, juntou-se a nós a comitiva portuguesa de atletas e técnicos, chefiada pela Professora Regina Mirandela da Costa, a minha vice-presidente, e a alma e coração do Special Olympics Portugal. Momento muito importante vivido em território português por se tratar da Embaixada de Portugal. Mas isto é teoria, porque, na prática, o que sentimos foi estar na nossa casa. O S. Embaixador, sua Esposa e a Sr.ª Cônsul Geral, Dr. Susana Sabrosa Audi, não nos trataram de acordo com o protocolo da diplomacia, mas como se fossemos família ou amigos de longa data, tal o afecto, a simpatia e o carinho com que nos receberam. Os atletas e os técnicos ficaram manifestamente felizes, e tal como referi, no meu do agradecimento, também deixo aqui o meu sentimento de gratidão profunda por aqueles momentos, que também não esquecerei.


O Sr. Embaixador, como aliás o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, não se cansaram de dizer que não fizeram mais que a sua obrigação. É verdade, mas nem por isso eu deixo de me sentir grato, porque penso saber distinguir o que se cumpre por obrigação e o que se cumpre também por devoção e prazer! Muitas vezes, infelizmente, aqueles que representam o Estado, não têm sentido de missão, mas apenas de obrigação, o que torna a política sem sentido!


No dia seguinte, quinta-feira, foi então dia de todas as emoções. Um dos dias mais intensos dos meus quase setenta e dois. Também eu me senti Embaixador de Portugal, quando junto do Secretário de Estado e da Senhora Cônsul Geral entramos no estádio com toda a delegação, sob as palmas calorosas de cento e vinte mil pessoas! Senti-me esmagado, mas simultaneamente altivo e orgulhoso de ser português e estar ali com aqueles que, de pulmão cheio, gritavam o nome de Portugal, tornando um país pequeno tão grande quanto os maiores. Não sou capaz de descrever com palavras a emoção que senti. É algo indescritível que me marcará para o resto dos meus dias. Tenho que confessar que chorei, e chorei muito. E mais ainda quando me sentei e, passado aquele momento de tensão, vi o meu sonho realizado ao leme deste Movimento. Senti-me compensado de tudo o que tenho enfrentado, desde a incompreensão até à própria maldade para com o Movimento que só quer um pouco de felicidade para estes jovens. Têm deficiências, mas não de carácter, amam e sabem o que o afecto, e só querem para eles um pouco do afecto dos outros. Custará muito?


Portugal vai ter de perceber o que é este evento desportivo em estado puro. Porque além do seu objetivo, perceber-se-á que este evento é o segundo maior, a seguir aos Jogos Olímpicos que todos conhecemos. Porque isso será fator de grande sensibilização e motivação.
O Special Olympics é um Movimento, que teve origem nos EUA, na década de 60 - comemorou o ano passado o 50.º  aniversário. Direccionado para integrar e apoiar os deficientes intelectuais, foi criado por iniciativa da Fundação Joseph Kennedy. Eunice Kennedy Shriver, quinta de entre nove filhos de Joseph e Rose Fitzgerald Kennedy e atleta olímpica, foi a fundadora e grande impulsionadora deste ideal, e, na sua origem esteve a realização, numa propriedade dos Kennedy, de uma série de jogos que tinham por finalidade proporcionar a prática desportiva e algum convívio a um elemento da família que sofria de deficiência intelectual. Seu filho, Tomy Schriver, actual chairman internacional, no seu discurso vibrante e emocionado, disse a certa altura, recordando sua mãe, já falecida: sinto que ela está aqui.
Foi Eunice Kennedy Shriver que há vários anos convidou a Dr.ª Maria de Jesus Barroso Soares para representar em Portugal o Movimento do Special Olympics. Também eu quero - e tenho essa obrigação - de manter viva entre nós, Special Olympicos Portugal, a sua Presidente Honorária, Dr.ª Maria de Jesus Barroso Soares. Ela está aqui, como referência da nossa missão
 
PS: uma medalha de bronze, já cá canta. Foi na natação!