Em torno da OPA parcial sobre a Benfica SAD

OPINIÃO26.11.201903:00

1 - Foi tornado público o anúncio do lançamento de oferta pública de aquisição (OPA) voluntária e parcial sobre acções ordinárias emitidas pela Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, (que detém em 100% a Benfica Estádio e a BTV), sendo que o oferente é a holding Sport Lisboa e Benfica SGPS, SA.

Sendo um assunto muito relevante na vida e no futuro do SLB, despertou muito menos gula mediática do que os gémeos do Seferovic ou os 10% sintéticos do novo relvado. Percebe-se porquê. Trata-se de um assunto tecnicamente complexo, e que não suscita, nem excita paixões de circunstância.

O que está em cima da mesa é a possibilidade de o SLB passar de detentor de 63,6% do capital da SLB Futebol, SAD para uma percentagem de até 91,7%. Assim, esta OPA incidirá sobre cerca de 28% do capital, sendo de 5 euros o valor por cada acção a pagar em numerário.

Como sócio benfiquista (registo de interesses: não tenho acções em meu nome ou de familiar, e sou detentor de obrigações por ela emitidas), deixo aqui algumas reflexões sobre esta operação. Ressalvo o facto de a informação ser escassa, não tendo havido mais nada para além do comunicado oficial. E tenho em consideração a prudência operativa e estratégica que os responsáveis do Benfica devem observar.

Se esta operação for levada ao limite da oferta, o Benfica, através da sua SGPS, desembolsará, a breve trecho, cerca de 32,277 milhões de euros (6.455.434 acções a €5 cada). Certamente, haverá quem logo se questione: gastar 32 milhões para deter mais capital em vez de se adquirir o passe de um craque que garanta maior probabilidade de sucesso desportivo? Percebo esta tentação alternativa, mas a contabilidade comparativa não se pode, nem deve fazer apenas no plano imediato, sendo necessário ver as suas possíveis consequências estratégicas e a prazo.

Nesta operação está subjacente um ponto muito positivo: a boa situação financeira do clube, pois que, de outro modo, uma operação desta natureza e envergadura nunca seria possível. Por outro lado, é legítima a preocupação da Direcção do clube em acautelar situações de OPA não desejáveis ou mesmo hostis que, embora minoritárias, poderiam constituir uma espécie de cavalo de Tróia com efeitos potencialmente adversos. O Benfica, dada a sua presente situação e a de um previsível futuro, tem de estar atento a predadores financeiros neste mercado global que não olha a meios, a passados e a estados de alma. O custo de quase totalizar a parte do capital detido pelo clube Benfica e pela Benfica SGPS tem a vantagem de imunizar investidas indesejadas e danosas, sobretudo em tempos mais apetecíveis para o mercado. Risco que não existiria se a sociedade estivesse debilitada ou em situação de pura sobrevivência imediata.

2 - Algumas questões devem ser analisadas. A primeira é a de que a legítima cautela de ter os mecanismos necessários para impedir investidas indesejáveis  poderá estar já salvaguardada nos estatutos da Sociedade, senão na totalidade, pelo menos em parte significativa, Por exemplo, no seu artigo 13.º, se preceitua que é necessária a unanimidade dos votos estatutariamente correspondentes às acções da categoria A (40% do capital, exclusivamente detido pelo Benfica) para serem aprovadas deliberações da Assembleia Geral sobre «a aquisição, directa ou indirecta, de acções representativas de mais de 2%  do capital social da Sociedade por uma entidade concorrente, devendo um eventual posterior reforço da posição accionista, de forma directa ou indirecta, ser sujeito ao mesmo processo de aprovação caso as acções a adquirir representem mais de 2% do capital social da Sociedade». Os Estatutos definem, entre outros aspectos, uma entidade concorrente como «qualquer entidade, independentemente da sua forma ou natureza, que desenvolva, no todo ou em parte, actividade que consista na participação em competições profissionais de futebol, na promoção e organização de espectáculos desportivos ou no fomento ou desenvolvimento, ainda que indirectamente, de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol em Portugal ou no estrangeiro». Acrescentando-se que «a qualidade de entidade concorrente pode existir em momento prévio à aquisição da participação ou ser adquirida em momento posterior».

Tendo isto em consideração, procurei - especulativamente é certo - alcançar uma razão que justifique uma operação desta envergadura financeira. Vejo que com o aumento da percentagem de capital detido, aumentarão as condições para, a prazo, o Benfica poder alienar uma parte (minoritária) a um ou mais investidores estrategicamente considerados bem-vindos. É crível admitir que haja entidades com as quais se possa edificar uma parceria estratégica que potencie sinergias, inovação, antecipação, expansão internacional, troca de know-how, oportunidades de negócio, etc.   

3 - Há, ainda, um ponto que me suscita dúvidas. Refiro-me ao preço oferecido por cada acção. Dir-se-á que se quer devolver agora o que os accionistas pagaram quando subscreveram títulos da Benfica SAD na primeira oferta pública (IPO) em 2001. Não tenho dados que me permitam saber qual a percentagem do capital adstrito à presente OPA que não teve qualquer movimento subsequente à IPO. Mas haverá muitos accionistas que compraram os títulos no mercado secundário por preços bem inferiores aos agora oferecidos €5. Não me lembro de, alguma vez, em Portugal, uma OPA oferecer um tão elevado prémio sobre a cotação no momento do seu anúncio (81%, pois que a cotação andava pelos € 2,76 por acção), mesmo tendo em consideração o tempo de capital empatado sem qualquer distribuição de dividendos. Se o propósito pode ser defensável pelo que atrás referi, o preço a pagar pode ser visto como exagerado. Pode dizer-se que tal prémio visa não prejudicar accionistas iniciais (correndo o risco, porém, de ser visto como uma formulação mais sofisticada de uma operação coração) e que tal preço é necessário para suster indesejáveis tentações oportunistas vindas do exterior. Não esqueçamos, porém, que o mercado de capitais é, por natureza, um mercado de muitos riscos, onde se ganha e se perde quando se investe numa sociedade anónima (neste caso, desportiva) e não numa hipotética Santa Casa.

Os grandes beneficiários do prémio oferecido serão quatro empresários que, juntos, detêm 21,1% dos 28% do capital sobre o qual incide a OPA, ou seja 75,4% da oferta (segundo o Relatório e Contas da Benfica SAD de 2018/19, estas participações qualificadas são:  de António José dos Santos, 12,71%; José da Conceição Guilherme, 3,73%; Olivedesportos SGPS, S.A., 2,66%; e Quinta de Jugais, Lda., 2%). Dos 32,3 milhões que a Benfica SGPS pagará se a OPA se efectuar integralmente, 24,2 milhões vão para estes accionistas. E se há, entre eles, quem tenha sido subscritor inicial pagando também 5 euros por cada acção ou se tenha atravessado em momentos particularmente difíceis da vida do Benfica, a maior daquelas quatro participações (António José dos Santos, Grupo Valouro) resultou de aquisições posteriores a preço bastante inferior (à Somague e ao Novo Banco, onde neste caso é conhecido o preço de € 1,05  por acção). Estima-se que o seu encaixe no caso de venda na OPA atingirá cerca de 14,6 milhões de euros e que o ganho será acima dos 10 milhões de euros. 

Acresce que ser accionista da SAD não significa ser necessariamente sócio, nem sequer benfiquista. Há, em suma, uma transferência que, à luz dos sócios que pagam honradamente as suas quotas e os seus lugares no estádio, pode ser encarada como excessiva e injustificada.

4 - Um último ponto: com a possibilidade acrescida e consistente de lucros futuros, haverá maior pressão para a situação (inédita) de distribuição de dividendos. Caso isso alguma vez venha a suceder - do que duvido - há vantagem em ser o próprio Benfica a ficar com mais de 90% dos dividendos distribuídos. Por fim, em termos de consolidação das contas do universo SLB, a situação patrimonial global fica mais consistente.

5 - É isto que se me oferece escrever sobre esta iniciativa. Sei que não tenho, aqui e agora, a informação necessária e suficiente para, honestamente, ter uma posição indiscutível. O meu único propósito foi o de contribuir construtivamente para a análise de um assunto estratégico incontornável no Universo Benfica, que não pode jazer entre distracções de um jogo hoje e de outro amanhã.