Em Timor...
AO ouvir falar dos 20 anos do referendo para a Independência de Timor, lembrei-me do Eusébio em Timor anos depois (e eu com ele por lá).
Lembrei-me do Eusébio em Santa Cruz - e de me parecer que bungavílias vermelhas lhe subiam aos olhos a molharem-se na sua reza junto ao túmulo de Sebastião Gomes, um dos mortos no massacre do cemitério. E quando, de seguida, lhe contaram a Tragédia da Kareta que se vivera à sombra do estádio onde o esperavam para marcar um simbólico pénalti a Xanana, ao explicarem-lhe que a kareta era a camioneta atafulhada de corpos queimados pelas milícias indonésias levados para atirar ao mar - olhando-o nos olhos outra vez, eu já não vi as bungavílias vermelhas, vi um coração, o molhado coração do Eusébio.
Coração diferente vi-lhe depois, também, quando, com Xanana Gusmão já equipado a preceito e debaixo da baliza, o Eusébio chutou, o Xanana voou - e, ao agarrar a bola, ergueu-se do chão, eufórico, atirando ao ar o seu brado:
- Foi a defesa da minha vida, pois até hoje só quatro guarda-redes tinham defendido penáltis do Eusébio…
e o Eusébio, piscando-me o olho, por entre o frenesim de bailarinas dançando tébedais, soltou de si o murmúrio que me apanhou e comoveu (digo-o agora):
- Chutei devagarinho para a mão dele pois não seria capaz de marcar um golo ao Benfica - e Xanana é Benfica!
Lembrei-me do Eusébio a distribuir bolas de futebol pelas escolas da ilha ainda martirizada pelo descabelo das milícias (e pelo jugo indonésio) e de, em Aileu, lhe surgir, sorrateiro, um rapazinho a mostrar-lhe o BI que tinha no nome: Eujébio das Neves - e vendo o Eusébio em espanto o rapazinho lhe explicou:
- Chamo-me assim porque meu pai era louco pelo Benfica. Os indonésios estragaram-me o nome, em vez do s puseram j. Não faz mal porque eu sei que sou Eusébio, Eusébio como o senhor…
Lembrei-me do Eusébio a... a... a... (e falta-me o espaço contar mais do Eusébio: eterno e coração em Timor).