É possível pacificar o futebol?

OPINIÃO28.10.202003:00

O que lucra um clube quando os adeptos lançam tochas para o relvado, insultam adversários, destroem cadeiras dos estádios?

É urgente uma liderança esclarecida, personalizada, reconhecida, imparcial, com projetos integrados e mobilizadores. Os clubes e seus presidentes não podem aceitar forças de bloqueio nem tumultos sistemáticos. Há uma responsabilidade a assumir.

A questão inicial é como se chegou aqui? Como superar o clima de conflito permanente no futebol?

São muitas as interrogações que carecem de resposta.

Por que não se pacifica o futebol, mantendo a competitividade dentro do campo?

Momento para reflexão: quem lucra com a situação de desconfiança permanente? Quem beneficia?

O futebol tornou-se um dos maiores negócios, com circulação de capitais sem controlo, elevadas verbas da publicidade e direitos televisivos, com apostas desportivas que atingem valores incalculáveis.

Que evolução e sustentabilidade para o futebol? A pandemia é tão grave que obriga a repensar caminhos do presente e do futuro. Portugal pode criar espaço de debate para avançarmos com as soluções que evitem o colapso desportivo e económico. Antes da pandemia, o número médio de espectadores por estádio era muito baixo e a distribuição dos direitos televisivos abrangia uma escala desequilibrada.

As regras têm de ser definidas com maior precisão, em função da nossa realidade. Mas isso só fará sentido se os dirigentes identificarem prioridades e definirem projetos inclusivos. Rivalidades sim, conflitos com violência nunca!

O futebol português possui capacidades para se tornar exemplo de alavancagem do nosso país para patamares mais evoluídos. Os resultados da nossa Seleção são mobilizadores da confiança. A Europa (o Mundo) está a passar uma fase de profunda mudança. Egoísmos avançam, prepotência cresce, lutas pelo domínio financeiro aumentam e a corrupção fortalece raízes e beneficia de fragilidades nas leis.

Clubismos

Para além das conflitualidades clubísticas, o jogo tem potencialidades para alterar comportamentos. É possível uma mudança positiva, partilhada, com lideranças credíveis.

E se o nosso futebol, para além dos títulos conquistados, fosse exemplo de identidade, união e persistência? Precisamos de guião inovador que impeça guerras, que una em vez de separar: centralização dos direitos das transmissões televisivas, distribuição de verbas de forma equilibrada e sustentada e criação de fundos de reserva para situações inesperadas.

Lideranças fracas, dependentes, com rumo enviesado, favorecem alienação e riscos graves. O tempo de jogo tem de ser uma das prioridades. As nossas Seleções consolidam a consistência da organização defensiva, a qualidade do jogo,  agressividade positiva no ataque, sempre a lutar pela vitória. A estratégia é decisiva e com resultados excelentes. Isso também é possível nos clubes. O mais difícil, por isso urgente, é reforçar a confiança.

Jogos que atraem

Quanto mais qualidade e intensidade tiverem os jogos, mais exigimos de nós mesmos. De cada insucesso, identificar o que falhou para se perseguir a vitória. No fim daqueles minutos que são parte fundamental da vida em sociedade, regressa-se lentamente ao equilíbrio emocional e desperta-se para o tempo que nos leva a pensar, organizar e descobrir novos rumos.

Não nos falta matéria-prima. Precisamos de competições mais intensas, sem tanta perda de tempo, nem simulações que atingem limites do intolerável, bem como de um ritmo que atraia, encante e prenda a atenção no jogo.

Arbitragens competentes, com critérios uniformes são um precioso contributo para o nosso futebol e não só.

Temos jogadores e treinadores espalhados por todo o mundo e com resultados fantásticos. O futebol que se exprime em português é um património valioso. Seremos sempre um país exportador de talentos, porque temos capacidade para criar e formar muitos mais, mas saber gerir os passos iniciais na carreira dos jovens traz uma responsabilidade acrescida.

Ninguém sabe como acontece… mas acontece mesmo. Há um clube que se apodera do coração e da mente. A paixão surge sem explicação, de forma natural, espontânea.

Pacificar o futebol português, com discurso positivo, com persistência e sem desistir, construindo uma bandeira simbólica de paz para o futebol e o desporto em geral, evita cavar um fosso de divisão nos clubes e nas instituições.

Para isso é urgente mudar alguns players e aperfeiçoar a tática e as dinâmicas.

Definindo regulamentos adequados, com estratégias financeiras para apoiar os clubes, promover o fair play e estabilizar os diálogos, são pontos de partida com vantagem. 

Podemos continuar no mesmo processo de divisões acentuadas, de clivagens e grupos, desvalorizando a credibilidade do nosso futebol. Ou então, com espírito de missão, devemos estruturar e criar quadros competitivos que nos orgulhem, com comportamentos e decisões coerentes e universais.

As dificuldades aumentam e só com espírito de equipa se conseguem superar, envolvendo os clubes e as tutelas na criação de condições financeiras, melhores instalações, onde a liberdade de opinião é oportuna para uma resposta consensual em função das necessidades do futebol. 

Onde tudo começa

A Universidade de Glasgow, na Escócia, após investigação cuidada, aconselhou a evitar cabeceamentos nos jogos dos mais jovens, para evitar lesões posteriores. Ao contrário dos críticos dessa opinião, o jogo torna-se mais técnico, com maior controlo da bola e com movimentação mais rápida. Os EUA também revelaram intenção de legislar sobre a matéria, impondo limites de idade para cabeceamentos. O futebol jovem tem evoluído constantemente. José Maria Pedroto foi treinador da Seleção Nacional de Juniores que venceu o Europeu de 1961. Surgiram mestres que construíram alicerces de grande qualidade: Artur Baeta, António Feliciano, Óscar Marques, Jaime Garcia, João Faneco, Ângelo Martins (recentemente falecido), Bentes, Carlos Pereira e muitos, muitos outros. Corrigir e aperfeiçoar, jogar sempre para ganhar, definir percursos, conhecer as fases de evolução psicobiológica e muito, mas mesmo muito contacto com a bola. «Se o futebol espanhol ficou sem resposta é porque a bola o viciou. Hoje todos os jogadores a pedem no pé e conservá-la parece mais importante do que utilizá-la para desequilibrar. Não é que os adversários sejam mais rápidos, a bola é que corre mais devagar», afirmou Jorge Valdano. Desse modo, valorizou estratégia ao serviço do coletivo para superar a organização defensiva adversária e criar boas oportunidades de remate.

Remate final

Num programa televisivo Paulo Futre, com a sua natural sinceridade, afirmou: «O meu sonho, desde 2003, é sentá-los aos dois (Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira), ter o privilégio de os sentar. Ainda não consegui, mas tento! O carinho que tenho pelos dois é igual. Quando os meus filhos, depois dos 18 anos, tiveram guerras não apoiei nem um nem outro e conseguiram fazer as pazes.» Pacificar o futebol será sempre um objetivo prioritário. Grande exemplo para aqueles dirigentes que insultam de forma grosseira e não revelam condições para fazer avançar o futebol.