É hora de pensar o futuro

OPINIÃO23.03.202003:00

Sei que é, nesta altura, difícil olhar para o futuro. Estamos, todos, absorvidos num presente que nos assusta demasiado e não nos permite, sequer, pensar no que nos espera amanhã. Estamos, quase todos - espero, pelo menos, que assim seja e respeitemos (ficando em casa) quem não tem outra opção do que continuar a sair, arriscando a sua saúde por nós - demasiado preocupados em adaptar as nossas rotinas a uma nova realidade que nos coloca numa espécie de reclusão forçada que, se não tivermos cuidado, é mais que suficiente para ameaçar a nossa sanidade mental.

Vivemos dias difíceis. Provavelmente os mais difíceis de qualquer das gerações que me possa estar a ler. Mas como me ensinaram que devemos, sempre, tirar  o melhor de cada situação, por mais difícil que ela pareça, talvez o melhor que possamos tirar deste momento seja, mesmo, poder pensar no futuro. Não podemos, pelo menos, argumentar que não temos tempo para fazê-lo, desculpa a que todos recorremos quando não nos apetece, de todo, pensar demasiado nas coisas.

Por isso, por mais incerto que o futuro nos pareça, podemos e devemos nele pensar, nem que seja um bocadinho. Porque uma coisa tenho como certa: o Covid-19 vai passar - bom, mesmo que não passe arranjaremos forma de lidar com ele sem que tenhamos de ficar para sempre fechados em casa... -e depois dele o mundo continuará a girar. E voltaremos - seria um ótimo sinal se a maioria voltasse mesmo... - às nossas rotinas. O que não quer dizer que tudo tenha de ficar na mesma. Não sou tão pessimista como o Rogério Azevedo. Acredito, mesmo, que podemos sair disto melhores pessoas. Mais altruístas, mais solidários, mais cientes de que olhar pelos outros é, também, uma forma de cuidarmos de nós. Acredito, resumindo, que podemos aprender alguma coisa disto.

Acredito, também, que essa aprendizagem se pode estender a várias áreas da sociedade. Como ao futebol, que, convenhamos, até estava a precisar de uma pausa para respirar fundo e pensar se o caminho que estava a seguir era, de facto, o melhor. E não falo, só, do futebol português. Não, começarei até pelo futebol no seu todo, que já dá sinais de mudanças importantes. A Associação Europeia de Clubes (ECA), por exemplo, já prepara uma proposta global para reduzir os valores dos salários, como forma de combater as enormes perdas financeiras sofridas devido ao Covid-19. Sei que para os jogadores não será uma proposta lá muito interessante, mas talvez seja para a competitividade da indústria. Em especial para os médios clubes, hoje incapazes de segurar talento perante tubarões com dinheiro que, muitas vezes, não se sabe sequer de onde lhes chega. Havendo tetos pode haver, também, equilíbrio. Um pouco mais de equilíbrio, vá...

Mas também em Portugal os últimos dias têm proporcionado exemplos de que as coisas podem mesmo mudar. Basta querer. Temos assistido a ondas de solidariedade nunca antes vistas, a uma preocupação genuína naquilo que o futuro reserva, não de uma forma egoísta, mas altruísta. Talvez os responsáveis dos clubes portugueses percebam, agora, o que já deveriam ter percebido há muito tempo: que é impossível sair de uma crise - e, assumamos, o futebol português estava em crise muito antes de o Covid-19 o ter deixado numa posição ainda mais frágil - assumindo a posição de cada um por si. Pelo contrário. Para ultrapassar o que aí vem os clubes portugueses terão, todos, de se sentar e chegar a soluções conjuntas que lhes permitam sair disto o mais fortes possível. Talvez esta quarentena dê, também aos dirigentes, tempo para pensar. No tanto que estavam a fazer mal. E no que podem fazer bem.