E agora?

OPINIÃO09.04.202206:30

De acordo com as evidências disponíveis, Portugal encontra-se no grupo de países da União Europeia em que o desporto mais depende do financiamento público (central e local)

S E dúvidas ainda subsistissem elas estão desfeitas. A autoridade estatística nacional - o Instituto Nacional de Estatística (INE) - confirma que: em 2021, a balança comercial de bens desportivos registou um saldo positivo de 205,6 milhões de euros (91,7 milhões de euros em 2020). As exportações de bicicletas (308,1 milhões de euros) representaram mais de metade das exportações deste tipo de bens; em 2021, o emprego desportivo foi estimado em 37,0 mil pessoas (0,8% da população empregada), menos 3,7% do que em 2020; o financiamento das Câmaras Municipais às atividades e equipamentos desportivos, em 2020, atingiu 301,0 milhões de euros (menos 6,0% do que no ano anterior); no mesmo ano, o financiamento do Instituto Português do Desporto e Juventude às Federações desportivas foi de 40,8 milhões de euros (menos 11,1% do que em 2019); em 2020, o número de praticantes inscritos em federações desportivas baixou 14,7% para 587.812.
Os resultados oficiais confirmam as evidências recolhidas em outros estudos nacionais e internacionais sobre o setor, alguns de iniciativa privada, outros de âmbito associativo, entre os quais aquele que o Comité Olímpico de Portugal (COP), o Comité Paralímpico de Portugal (CPP) e a Confederação do Desporto de Portugal (CDP) encomendaram, e cuja primeira parte se encontra publicada, no Estudo caracterizador do setor do Desporto em Portugal e do impacto da Covid-19.
Estes resultados, designadamente o da balança comercial, comprovam que o desporto cria uma riqueza superior àquela que internaliza pelo que é lícito admitir que essa proporcionalidade seria ainda mais vantajosa para a economia do País se as entidades que estão na génese da produção de bens e serviços desportivos tivessem uma reforçada base de apoio para a criação de valor.
A segunda parte deste trabalho, focada em opções estratégicas em torno das vulnerabilidades evidenciadas no primeiro trabalho e agora replicadas pelo INE, que oportunamente o COP disponibilizará, reforçam o entendimento de que a nossa competitividade desportiva  é fortemente penalizada por um modelo de financiamento público ao desporto, assente basicamente nas receitas dos Jogos Sociais, com uma miríade de entidades e organismos beneficiários, e bem assim pela ausência de um alinhamento estratégico de políticas indutoras de desenvolvimento e criação de valor.
De acordo com as evidências disponíveis, Portugal encontra-se no grupo de países da União Europeia em que o desporto mais depende do financiamento público (central e local), e ainda assim, em termos de despesa pública per capita, fica 42% abaixo da média europeia, num sinal claro de subinvestimento do setor.
Sem a reforma deste modelo de financiamento público dificilmente o País pode beneficiar da riqueza criada pelo desporto - na economia, no emprego e na saúde - e aumentar a sua competitividade desportiva externa, continuando a desperdiçar recursos escassos em medidas inconsequentes e pouco sustentadas.
A escassa profissionalização de recursos, os níveis elementares de participação, da base ao alto rendimento desportivo, as debilidades na inovação e criação de valor e os problemas de integridade e responsabilidade social, alinhados num quadro de referência estratégico, são fatores críticos da realidade nacional e da análise comparada a um conjunto de políticas desportivas no espaço europeu.
Saúde-se, por isso, a publicação destes dados por parte do INE de modo a que o ciclo político que agora se inicia possa inverter a tendência evidente de subdesenvolvimento desportivo que os dados reportam, posicionando o país em patamares mais competitivos e concretizando aquilo que até hoje não passam de aspirações vagas de programas políticos.
Afigura-se urgente a convergência entre todos os atores do sistema político e desportivo nacional em torno de medidas e indicadores tangíveis naqueles vetores estratégicos.
Mas não podemos deixar de sinalizar que, também aqui, partimos com atraso, porque o tiro de partida e as boas condições para a competição foram há muito dados pelos parceiros europeus.
*Presidente do Comité Olímpico de Portugal