Dos maus fígados
Meu caro Sérgio Conceição:
No futebol, quando a realidade atropela um desejo, há quase sempre alguém que fica com o chão a fugir-lhe dos pés e a língua a fugir-lhe da compostura. A si acontece-lhe amiúde e para lá do que devia. Não me responda já em tom rufia que eu vou explicar porque não devia. Jorge Valdano afirmou-o:
- No futebol, transmitir uma boa emoção é mais eficiente do que explanar uma ideia, boa ideia de jogo até…
Pode haver na frase a poesia que há no olhar que o Valdano atira ao jogo - mas não tenho dúvidas: quando um treinador se deixa levar pela tentação das emoções piores - é porque talvez tenha a ponta do pé a correr para o abismo. Não, não estou a dizer que seja o seu caso. Aliás, ao ouvi-lo naquele destrambelho da latrina no Funchal o que me veio à cabeça foi clamor de Javier Clemente:
- Prefiro morrer porque me matam a partir de fora do que morrer porque me matam a partir de dentro.
Trágico, para si, seria, sim, que já o estivessem a matar a partir de dentro, de dentro do seu balneário. Porém, também não me parece que seja esse o caso. Foi Valdano quem o disse, igualmente:
- Um bom treinador consegue que os seus jogadores acreditem nele. Um excelente treinador consegue que os seus jogadores acreditem neles próprios.
Nisso, o que me parece? Que você, caro Sérgio, é bem capaz (e está bem capaz) de conseguir que os seus jogadores voltem a acreditar mais neles - e que não deixem de acreditar em si, nos seus métodos e decisões, no seu caráter e feitio (mesmo esquentado como é).
Portanto, mais do que se esfriar nos seus maus fígados, o que você precisa, sobretudo, é de dizer aos seus pupilos o que o Bill Shankly disse aos dele:
- Se estão na área e não sabem o que fazer com a bola, metam-na na baliza que depois discutimos outras opções...
porque se não resolver isso (que me parece ser o problema maior deste FC Porto - e o seu) então sim é que acabará morto a partir de fora. E de dentro.