Diz o roto!...
Discutir significa debater, e em Portugal discute-se muito, mas não se debatem ideias, e diga-se de passagem que não é só no desporto
N A quinta-feira passada, na Quinta da Bola, e ontem, no seu editorial, José Manuel Delgado, aliás com toda a pertinência, colocou à nossa reflexão o facto de na campanha eleitoral terem estado em discussão quase todos os temas e, no entanto, não se ter ouvido, «fosse a quem fosse, uma ideia sobre desporto enquanto actividade fundamental para a saúde física e mental dos portugueses».
Concordo cem por cento com a afirmação feita, mas devo dizer que normalmente não é tema em discussão, seja nas campanhas eleitorais ou na comunicação social, embora haja três jornais desportivos diários, programas televisivos todos os dias em vários canais, um canal de desporto com seis sub-canais e não sei quantos programas de rádio, o que significa que se os lesse todos, visse e ouvisse todos os programas de televisão e rádio, não teria tempo para dormir e me alimentar, o que afectaria seguramente a minha saúde física e me colocaria na rota de absoluta insanidade mental.
Na verdade, discutir significa debater, e em Portugal discute-se muito, mas não se debatem ideias, e diga-se de passagem que não é só no desporto. É um pouco como a crítica que devia envolver sempre uma ideia de aperfeiçoamento ou de renovação, mas, muitas vezes, é apenas um exercício de má língua.
Por outro lado, devo dizer que ainda bem que a discussão política de momento em Portugal não incide sobre desporto, e, particularmente, sobre o futebol. Pedindo desculpa a quem não esteja de acordo comigo, por razões ideológicas ou outras, gosto muito de desporto, e, particularmente, do futebol, mas, neste momento, e ao ponto a que chegámos, estou mais preocupado com o futuro de Portugal, isto é, com o seu crescimento económico e a dívida pública. Vencer a Turquia e a Itália é um desejo admissível, mas preocupa-me mais estar apenas à frente da Bulgária.
Falar de desporto e de futebol parece a mesma coisa, mas são duas realidades distintas: daquele fala-se pouco e neste berra-se demais! Mas, independentemente disso, acham que é tempo para falar de desporto e de futebol, quando a campanha eleitoral deixa tanto tema por discutir, como o conflito entre a Ucrânia e a Rússia (e não é no desporto, nem no futebol), a cultura e até a justiça que é cada vez mais injusta, quando mais de 1,6 milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 540 euros por mês, uma realidade que afeta famílias numerosas, mas também quem vive sozinho, idosos, crianças, estudantes e trabalhadores? Acham que alguém está interessado em livros, teatros, música ou o que quer que seja a não ser as elites (que aliás já são poucas) quando há pessoas que se alimentam nos caixotes do lixo.
Bem gostariam os políticos de ter lata suficiente para falar do desporto e de futebol para apontar os seus sucessos, que aliás são normalmente da iniciativa privada, mas não o conseguem porque correm o risco de lhes ser apontado que seria da sua responsabilidade o desporto escolar, sendo que também existe pobreza também dentro das escolas, onde, segundo dados conhecidos, mais de trezentos e oitenta mil alunos do ensino público não superior tiveram apoio socioeconómico e quase 223 mil tiveram refeições subsidiadas pela Acção Social Escolar. Infelizmente, falar de desporto e futebol em Portugal é falar de competição. E não se pode falar, nem deve, de competição quando o que está em causa é a completividade da economia e a competição dos pobres é uma luta pela sobrevivência.
Uma coisa comum à discussão política e à discussão futebolística são os comentários, não de comentadores partidários, mas de alguns jornalistas com a camisola vestida, à esquerda e à direita! Uma vergonha quando é a própria comunicação social a inquinar a discussão.
Falar de desporto e futebol e falar de politica são duas coisas diferentes, mas às vezes com o mesmo estilo. Na verdade, há quem discuta política e futebol com o mesmo estilo popular e populista, mas sem uma ideia nova no discurso. Nem todos os comentadores chegam longe, na politica como no desporto, quando a origem está no comentário e na discussão de café!
Não há hábito em Portugal de debater os assuntos sérios do desporto e do futebol, sejam eles conjunturais ou estruturais, e, sobretudo, estes!
Sobre o desporto em geral não se discute, nem no café. Quanto ao futebol não se discute o que interessa ao futebol, mas o que interessa às audiências; não se discutem ideias e princípios, mas apenas aquilo que é comercialmente rentável. Importa o voyeurismo, não o esclarecimento intelectualmente honesto. Interessa o espectáculo, não o conteúdo das intervenções.
Ao show mediático interessa se foi ou não penálti, se houve ou não fora-de-jogo, se há intensidade ou foi simulação, se foi o árbitro ou o vídeo-árbitro quem roubou! Não se debate a arbitragem na sua essência e na sua estrutura. Não se vai a uma primeira questão, quanto a mim essencial, que é a compatibilidade do domínio do Conselho de Arbitragem pelo organismo de classe dos árbitros, da confusão existente entre os interesses da arbitragem e os interesses corporativos dos árbitros, que se protegem uns aos outros, incluindo na crítica.
Ao show mediático não interessa mesmo a disciplina desportiva, a sua organização, nem a qualidade e isenção dos elementos que a integram, mas apenas os casos que acontecem e que podem ser explorados semanas a fio. Importa pouco a qualidade jurídica das decisões, como o conhecimento daqueles que as discutem. Muitas vezes a discussão raia um analfabetismo confrangedor.
Diz a Lei de Bases e da Actividade Física e do Desporto, no seu artigo 3º que «a actividade desportiva é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes».
Todos sabemos que, resumidamente, ética é a parte da filosofia que estuda os fundamentos da moral. Não vou, no entanto, entrar em filosofias, mas apenas naquele conjunto de regras de conduta do individuo ou de um grupo de indivíduos, ou seja, na situação em apreço, as regras de conduta dos dirigentes políticos e do desporto, particularmente, os do futebol.
E essa seria uma discussão interessante, diria mesmo um debate ideológico relevante numa campanha eleitoral, ou noutro momento qualquer, sobre o tema o desporto e a politica ou a politica e o desporto.
Na minha modesta opinião, qualquer actividade deve ser desenvolvida com observância dos princípios da ética, e, portanto, também na actividade desportiva e na actividade política. Corre-se apenas um risco nesse debate: que os participantes se acusem uns aos outros de pouca moralidade, isto é, que critiquem os comportamentos dos outros quando a sua conduta também não é a melhor. Como diz o provérbio: diz o roto ao nu...!