Diálogo entre duas excelências sobre acelerações erradas
Vossa excelência corre ou está parada? - Corro, mas muitíssimo lentamente. Não vê? - Do exterior, confesso, visto daqui, por assim dizer, a um metro de vossa excelência, parece que vossa excelência está, digamos, parada.
- Parada? Como?
- Paradíssima. Imóvel. Tenho que o dizer. Não se mexe, não sai do sítio, nada. Está vivo?
- Vivíssimo. Veja: respiro.
- Sim. Confirmo. E se respirar é um movimento, Vossa excelência movimenta-se de um modo, digamos, pelo menos pulmonar.
- Pelo menos.
- Isso.
- Mas Vossa excelência engana-se, não está atenta. O meu movimento é bem maior do que esse, o da inspiração-expiração.
- Sim?
- A sua visão é que está excessivamente rápida. E daí não ver o meu outro movimento.
- Entendo.
- É necessário também, digo-lhe já, uma certa generosidade por parte do observador.
- Serei generoso, excelência.
- A minha velocidade é meticulosa, é uma velocidade de pormenor. Deve, portanto, desacelerar o seu sistema de visão. Para ver.
- Velocidade de pormenor…
- Sim, velocidade de pormenor. Não me mexo, mas com classe.
- Uma imobilidade de categoria.
- Isso mesmo. Não me mexo, mas o meu rosto é magnífico.
- Pois. Mas os outros jogadores talvez queiram movimento, alguma ajuda vinda da sua parte, uma corrida aqui e ali. Sabe, essas coisas visíveis a olho nu.
- Entendo. Mas sabe?
- Sim?
- Eu não gosto de corridas grosseiras.
- A que chama vossa excelência corridas grosseiras?
- Às corridas que saem do sítio.
- Entendo.
- Eu prefiro correr de forma subtil.
- Subtil?
- Sim, subtil. Assim.
- Assim como?
- Assim. Veja com atenção.
- Não vi nada.
- Nada?
- Vossa excelência não se mexeu.
- Pois. É uma opção de vida.
- De vida?
- Sabe que quando eu corro arranjo sempre problemas.
- Sim?
- Por isso fico assim. Numa corrida subtilíssima.
- Parado, portanto.
- Exacto.
- Mas que tipo de problemas vossa excelência arranja quando corre?
- Antes de mais, deixe-me que lhe diga que eu corro muito rápido, sabe?
- Ótimo! É disso de que precisamos. Rapidez!
- A questão é que eu corro rapidamente para o sítio errado. Ou melhor: entro rapidamente no sítio errado.
- Sim? oh diabo.
- Quando era mais novo preferia entrar lentamente no sítio errado. Mas agora não. As pessoas mudam, sabe?
- Ganhou velocidade com a idade, portanto.
- Sim. Fiquei rapidíssimo. Entro a cem à hora no sítio errado. Uma chatice.
- Pois, excelência, segundo certos especialistas a velocidade só deve ser activada quando se sabe exatamente a direcção da corrida, a direcção certa.
- Pois.
- Vossa excelência não acelere antes de decidir para onde quer ir. Uma sugestão. Um lema de vida.
- Conheço muitos.
- Sim? Muitos quê, excelência?
- Muitos sujeitos.
- Sujeitos?
- Sujeitos rapidíssimos.
- Sim?
- Que entram nestas duas categorias.
- Quais?
- Categoria um: sujeitos (atletas ou não) que correm rapidamente na direcção errada.
- Pois. Rapidíssimos, mas tortos.
- Pois, tortíssimos. Eu incluo-me nesta categoria. Uma categoria desastrosa, digamos.
- Sim, um disparate estratégico, correr rapidamente para o sítio errado.
- Disparate mesmo.
- Assim chegam rapidamente ao sítio em que não são úteis.
- Exacto. E dois.
- Dois?
- Categoria dois, de atletas e de sujeitos no geral.
- Diga?
- Os que correm rapidamente, muito rapidamente…mas no momento errado.
- Sim, não apenas direcção, o momento também é significativo. É isso?
- É o chamado tempo.
- Tempo. Isso também é importante, não é?
- Muito. E já há uma data de anos.