Diálogo entre duas excelências sobre acelerações erradas

OPINIÃO15.09.201904:00

Vossa excelência corre ou está parada? - Corro, mas muitíssimo lentamente. Não vê? - Do exterior, confesso, visto daqui, por assim dizer, a um metro de vossa excelência, parece que vossa excelência está, digamos, parada.

- Parada? Como?

- Paradíssima. Imóvel. Tenho que o dizer. Não se mexe, não sai do sítio, nada. Está vivo?

- Vivíssimo. Veja: respiro.

- Sim. Confirmo. E se respirar é um movimento, Vossa excelência movimenta-se de um modo, digamos, pelo menos pulmonar.

- Pelo menos.

- Isso.

- Mas Vossa excelência engana-se, não está atenta. O meu movimento é bem maior do que esse, o da inspiração-expiração.

- Sim?

- A sua visão é que está excessivamente rápida. E daí não ver o meu outro movimento.

- Entendo.

- É necessário também, digo-lhe já, uma certa generosidade por parte do observador.

- Serei generoso, excelência.

- A minha velocidade é meticulosa, é uma velocidade de pormenor. Deve, portanto, desacelerar o seu sistema de visão. Para ver.

- Velocidade de pormenor…

- Sim, velocidade de pormenor. Não me mexo, mas com classe.

- Uma imobilidade de categoria.

- Isso mesmo. Não me mexo, mas o meu rosto é magnífico.

- Pois. Mas os outros jogadores talvez queiram movimento, alguma ajuda vinda da sua parte, uma corrida aqui e ali. Sabe, essas coisas visíveis a olho nu.

- Entendo. Mas sabe?

- Sim?

- Eu não gosto de corridas grosseiras.

- A que chama vossa excelência corridas grosseiras?

- Às corridas que saem do sítio.

- Entendo.

- Eu prefiro correr de forma subtil.

- Subtil?

- Sim, subtil. Assim.

- Assim como?

- Assim. Veja com atenção.

- Não vi nada.

- Nada?

- Vossa excelência não se mexeu.

- Pois. É uma opção de vida.

- De vida?

- Sabe que quando eu corro arranjo sempre problemas.

- Sim?

- Por isso fico assim. Numa corrida subtilíssima.

- Parado, portanto.

- Exacto.

- Mas que tipo de problemas vossa excelência arranja quando corre?

- Antes de mais, deixe-me que lhe diga que eu corro muito rápido, sabe?

- Ótimo! É disso de que precisamos. Rapidez!

- A questão é que eu corro rapidamente para o sítio errado. Ou melhor: entro rapidamente no sítio errado.

- Sim? oh diabo.

- Quando era mais novo preferia entrar lentamente no sítio errado. Mas agora não. As pessoas mudam, sabe?

- Ganhou velocidade com a idade, portanto.

- Sim. Fiquei rapidíssimo. Entro a cem à hora no sítio errado. Uma chatice.

- Pois, excelência, segundo certos especialistas a velocidade só deve ser activada quando se sabe exatamente a direcção da corrida, a direcção certa.

- Pois.

- Vossa excelência não acelere antes de decidir para onde quer ir. Uma sugestão. Um lema de vida.

- Conheço muitos.

- Sim? Muitos quê, excelência?

- Muitos sujeitos.

- Sujeitos?

- Sujeitos rapidíssimos.

- Sim?

- Que entram nestas duas categorias.

- Quais?

- Categoria um: sujeitos (atletas ou não) que correm rapidamente na direcção errada.

- Pois. Rapidíssimos, mas tortos.

- Pois, tortíssimos. Eu incluo-me nesta categoria. Uma categoria desastrosa, digamos.

- Sim, um disparate estratégico, correr rapidamente para o sítio errado.

- Disparate mesmo.

- Assim chegam rapidamente ao sítio em que não são úteis.

- Exacto. E dois.

- Dois?

- Categoria dois, de atletas e de sujeitos no geral.

- Diga?

- Os que correm rapidamente, muito rapidamente…mas no momento errado.

- Sim, não apenas direcção, o momento também é significativo. É isso?

- É o chamado tempo.

- Tempo. Isso também é importante, não é?

- Muito. E já há uma data de anos.