Diálogo e reformas
No palácio, tudo era infeliz. Maldição que incluía as pessoas, os animais, as plantas e o próprio edifício: as paredes, as colunas.
Uma mesa infeliz como que murcha, deixa cair as coisas ao chão; desobedece à dureza do material de que é feita.
Pois bem, atraída pela infelicidade como outros animais são atraídos pelo açúcar, uma cobra entrou no palácio antes do seu almoço de réptil e depois do almoço humano dos homens. Era, para a cobra, o momento certo; porém, para os humanos, era o momento errado; porque depois de muito comer, adormeceram - e ainda porque estavam gordos, inchados.
Eis, pois, que a cobra deslizou, silenciosa, e está agora a uns metros mal contados de um homem grande que dorme.
Situação mais indefesa do que um homem a dormir não existe; um homem no meio do sono está como que inteiro noutro lado; é um corpo sem braços e sem pernas: sem braços para a defesa e sem pernas para a fuga ou para se recolocar noutra posição. E sem cérebro ainda, sem pensamento, sem astúcia. Dorme, o homem.
Mas estranhamente a cobra não engole uma parte ou outra mais acessível (a mão direita, por exemplo, que descai da cama); decide, sim, vasculhar com a estreita cabeça os bolsos do homem grande que dorme. E eis que encontra o que procura: as chaves. Com elas na boca retira a cabeça do bolso como que a retirar-se de uma sala.
Com as chaves dirige-se à porta do compartimento e, depois de a empurrar, fecha-a por dentro. A seguir, engole as chaves.
Estão finalmente os dois seres a sós: um homem que dorme e uma cobra com fome.
Mas a cobra não quer lutar com o homem nem o quer comer, quer apenas conversar, explicar e, se possível, eliminar um a um os desentendimentos antigos. O homem não pode sair dali e não tem armas. Finalmente ouvirá, pensa a cobra.
A reforma da administração pública
O Ministro da administração pública dirigiu-se ao hospital: o passo lento, os gestos hesitantes, baralhados. Ninguém o reconheceu. Queixava-se da cabeça, dores insuportáveis, mas foi atendido com indiferença logo à entrada. Pediu algo para acabar com as dores de imediato, porém as enfermeiras disseram para ele para esperar. Ele recusou.
Saiu do hospital, mas voltou duas horas depois. Estava desvairado, revoltado, perdera a noção de tudo.
Trazia agora explosivos na sua mala preta. Já dentro do hospital ameaçou explodir com o edifício se não lhe dessem o tratamento de que necessitava.
Foi atendido de imediato.
Na cidade esta notícia correu rapidamente. Logo outros casos se repetiram.
Depois de várias horas numa fila de uma repartição pública, um homem desistiu, irritado, e voltou depois, de casa, com explosivos. Ou era atendido de imediato ou explodia a repartição pública. Foi atendido logo naquele instante.
Noutro ponto da cidade, um homem que há anos não conseguia ver o seu problema resolvido no tribunal entrou nele com explosivos. O seu problema legal foi resolvido nessa tarde.
Acontecimentos semelhantes repetiram-se em vários pontos do país. Durante algumas semanas as repartições públicas sofreram um sobressalto constante: homens e mulheres com explosivos exigiam ser atendidos rapidamente.
Em menos de dois meses os atrasos burocráticos foram definitivamente ultrapassados. Acabaram os tempos de espera. O país e as suas repartições públicas tornaram-se um exemplo, para todo o mundo, de competência e rapidez.
Sem um único ferido.