Desporto e preconceito
ANTÓNIO COSTA almoçou com Emmanuel Macron, em Paris, e soube depois que o presidente francês estava infetado com Covid. Uma contrariedade, que obrigou o primeiro-ministro português a adiar uma visita a África e a iniciar uma forçada quarentena. Adiam-se, assim, algumas obrigações de Estado, mas nem tudo é mau. Costa ficará com mais tempo livre para pensar naquilo que ainda não pensou. O Desporto, por exemplo.
Não há coisa mais adiada no governo português do que pensar no Desporto e pensar o Desporto. Certo, que a pandemia rouba muito tempo, mais o plano de vacinação que todos esperamos que corra bem, mas pensar no Desporto e pensar o Desporto é, no essencial, pensar nos jovens portugueses, pensar no País, na saúde de um povo, pensar na qualidade de vida dos cidadãos. Nem o governo parece ter essa sensibilidade, nem a Direção-Geral da Saúde, por vezes assustadoramente arcaica e que tem uma noção da realidade que se espelha na proposta de uma celebração do Natal ao pequeno-almoço, ou no quintal.
Do ministro da Educação, que tutela a pasta do Desporto, nem uma palavra sobre o assunto. Do secretário de Estado, supostamente da Juventude e do Desporto, nem um sinal de sobrevivência. Ambos estarão confinados e em quarentena rigorosa da sua responsabilidade desportiva.
E, no entanto, podiam ter lido, ao menos, aquela primeira página do JN que vinha alarmar o País com a notícia de que, num ano, de 2019/2020 a 2020/2021, a formação, ou seja o desporto federado jovem, em Portugal, perdeu 173 mil atletas, o que representa a arrasadora percentagem de quase oitenta por cento do total de atletas federados em idades de formação.
Não sei se o governo, cego, surdo e mudo em matérias que ao Desporto dizem respeito, tem a noção do prejuízo causado. Não apenas ao desporto, no seu presente e, sobretudo, no seu futuro, mas que tivesse, ao menos, noção do que isso representa de prejuízo para o desenvolvimento de Portugal, o que significa em termos de retrocesso civilizacional, o que regista e marca a incompetência de uma política sem a necessária visão global do País e dos seus pilares de crescimento social.
Pensar o Desporto e no Desporto deverá parecer, ao governo de Portugal, um desafio menor e, como tal, dispensável. O que se torna mais problemático e acentua o preconceito a níveis de uma intolerável ignorância.
Que os tecnocratas da DGS não tenham mais do que uma vaga ideia do que o Desporto pode fazer por uma população física e intelectualmente mais saudável, percebe-se, porque a cultura nacional sempre teve uma aversão histórica ao corpo; mas que o governo de um país abdique da construção do homem do futuro, incentivando-o a ser sedentário e obeso, desleixado e incompleto, desarticulado e egocêntrico, isso já é demasiado grave, porque hipoteca o futuro dos portugueses.
Não fica isenta de responsabilidades a Assembleia da República e todos os seus deputados, de leste a oeste da bancada. Tão obcecados por cumprirem a agenda mediática, com olhos fixos nas sondagens e nas modas das redes sociais, não se libertam dos seus vícios políticos, em nome do ortodoxismo partidário.
O Desporto, formal e informal, federado ou não, vive na mais completa orfandade, entregue ao movimento associativo sobrevivente, dependente de esforços de cidadãos militantes e, tal como há cinquenta anos, vivendo da generosidade do trabalho voluntário de dirigentes sem palco e sem outra vantagem que não seja a sua satisfação pessoal em participar.