Desculpas

OPINIÃO07.01.202103:00

O momento de jogo que define a saúde de uma equipa de futebol é a reação à perda da bola. É quando o prazer dá lugar à frustração e esta se transforma em combustível. As grandes equipas do futebol moderno não são aquelas que apenas jogam bem quando têm bola, mas as que fazem tudo para a recuperar de novo e, aí sim, voltarem a mandar no retângulo. Do grande Barcelona de Guardiola recordo-me tanto do tiki taka quanto do tiki corre dos seus jogadores. Nunca tinha visto e nunca voltei a ver uma equipa abafar um adversário de uma forma tão intensa, quase obsessiva, e simultaneamente tão harmoniosa.  
Os grandes treinadores são aqueles que conseguem pôr génios a pegar numa vassoura antes de segurarem o violino, explicando-lhes que a força e as vitórias de um coletivo só se alcançam na soma do sacrifício e hedonismo.  
     
Se tivesse de escolher uma característica para comparar o Sporting de Rúben Amorim e o Benfica de Jorge Jesus seria precisamente a reação à perda da bola. Os leões apresentam a melhor defesa da Liga não porque têm o melhor setor defensivo mas porque defendem melhor, até melhor que o FC Porto. Mérito do treinador e dos jogadores, que já perceberam um dos princípios básicos do Amorinismo: procurar criar quase sempre superioridade no momento defensivo, nas várias zonas do campo. Isto obriga a muita disponibilidade física, inteligência tática e, fundamentalmente, grande atitude competitiva, ingredientes apenas possíveis de cozinhar se as ideias do treinador forem bem transmitidas. Esta está a ser a grande diferença entre o futebol de Rúben e o de Jesus: a mensagem do jovem técnico está a entrar em cada poro dos jogadores do Sporting, mas o mesmo não está a acontecer no outro lado da Segunda Circular.


A pergunta do milhão de euros da atualidade é esta, portanto: o que se passa com Jorge Jesus? E as respostas quer do próprio quer do Benfica ajudam a aumentar o mistério. Porque fazem pouco sentido. Lembremo-nos, por exemplo, do que disse o técnico após o empate nos Açores: que a saída de Gilberto provocou danos estruturais na forma de defender (pobre Diogo Gonçalves que arcou com as culpas). Como se um único jogador fosse responsável de uma dinâmica coletiva. Mas mais ilusório foi a homilia disfarçada de newsletter a dar como atenuantes questões como as lesões, infeções por Covid-19, falta de tempo para treinar ou a ausência de público. Um rol de desculpas que mais não é uma cortina de fumo para esconder os  verdadeiros problemas. O Sporting, por exemplo, passou por um surto de 10 infetados no grupo, a ponto de obrigar a equipa a fugir de Alcochete para o Algarve e hoje é líder do campeonato; o FC Porto tem um calendário igualmente intenso e a jogar com adversários mais fortes na Europa e vive grande momento de forma; Carlos Carvalhal também chegou ao SC Braga no início da época e apesar dos muitos jogos, pouco tempo para treinar e casos de Covid-19 já conseguiu pôr a equipa a jogar à sua imagem e ganhou na Luz, num jogo em que esteve a vencer por 3-0. Se também nos lembrarmos que três dos cinco títulos de Jorge Jesus no Flamengo foram conquistados já em plena pandemia (mas apenas um, o campeonato carioca, foi disputado sem público) e o próprio treinador já sofreu na pele o susto deste vírus, toda esta narrativa cai por terra.
Os motivos para o Benfica jogar mal não podem justificar-se apenas por questões externas ou de força maior, mais que não fosse por esta equipa ser a mais cara de sempre do futebol português ao nível do investimento em reforços. Há, notoriamente, questões relacionadas com dinâmicas de grupo e isso envolve não apenas o treinador. Envolve a tão propalada estrutura, com o presidente à cabeça. É certo que Jesus exige poderes que vão muito além do papel de treinador, mas se por algum motivo esses poderes não estão a dar frutos, como parece ser o caso, é o líder que tem o dever de aparecer porque, na verdade, é tão ou mais responsável. E o silêncio de Luís Filipe Vieira nos últimos tempos só reforça a ideia de um Benfica cada vez mais sem identidade. Que não é só de agora.