Demagogia!
Há muito me parecia, de entre os poucos jogadores no horizonte da Seleção Nacional que ainda jogam em Portugal - são, como se sabe, cada vez menos -, que Rúben Dias seria o mais apto (talvez mesmo o único, no imediato) a jogar em qualquer uma das equipas europeias de topo, naturalmente numa das quatro principais ligas, porque dificilmente a francesa fará, ou faria, o mesmo tipo de apelo a um jovem jogador com as ambições de Rúben Dias. E parecia-me o mais apto por uma razão: a mentalidade!
Já não sei bem quem o disse, mas ainda recentemente ouvi alguém referir-se - um jogador, certamente - às qualidades indispensáveis para qualquer atleta chegar ao mais alto nível, jogar nas melhores competições do mundo, ter realmente sucesso: «Bem podes ter muitas qualidades técnicas ou seres forte fisicamente… mas se não tiveres a mentalidade certa, esquece, dificilmente chegarás longe!... Podes, por momentos, chegar alto, mas sem a mentalidade certa, não ficarás lá por muito tempo.»
Se as palavras não foram exatamente estas, a ideia, garanto-vos, não foge ao essencial. E é exatamente pela questão da mentalidade, mais do que por qualquer outra, que há muito me parecia que Rúben Dias estava apto a dar o salto para qualquer uma das mais importantes ligas europeias, e, como não poderia deixar de ser, volto a sublinhar, para qualquer um dos clubes de topo - entre aqueles dez/quinze que sabemos estarem na linha da frente do futebol europeu, para usar expressão tão em voga nestes tempos de luta contra esta fatalidade da Covid-19.
Não sendo especialista, nem vivendo no interior do futebol, não me custa mesmo nada a aceitar a ideia de a grande diferença na alta competição estar realmente na mentalidade. Na tal mentalidade certa para vencer. Na mentalidade que nos habituámos, por exemplo, a ver em Cristiano Ronaldo desde que ele próprio terá conseguido perceber - algures em Manchester, talvez pela sábia mão de Ferguson - que só mesmo com a mentalidade certa poderia um dia chegar, como orgulhosamente chegou, a melhor do mundo. Entretanto, pareceu-me, desta vez, não muito certa a mentalidade com que, aqui e ali, se foi procurando olhar e analisar esta sensacional transferência de Rúben Dias para o Manchester City, como se ela tivesse dependido apenas e exclusivamente do sucesso ou insucesso da equipa do Benfica na fase preliminar da Liga dos Campeões.
Parece, pelos vistos, crer-se que a saída de Rúben Dias para o poderoso Manchester City - o tal clube propriedade… de um país, como ainda recentemente acusou Klopp, o treinador do Liverpool... - ficou a dever-se à eliminação do Benfica da prova rainha do futebol europeu de clubes, e julgo, nesse sentido, que não será nada realista olhar a coisa dessa maneira. Julgar-se-á, porventura, que Rúben Dias continuaria na Luz se o Benfica tivesse seguido em frente na Champions? Não creio, com toda a franqueza.
Os agentes dos jogadores fizeram-se exatamente para defender o interesse dos jogadores.
O agente de Rúben Dias informou evidentemente o jogador do interesse e da proposta do City.
Ir para o Manchester City não é, com todo o respeito, o mesmo que ir para o Wolverhampton, e, no entanto, ir para o Wolverhampton já é evidentemente um enorme salto na carreira, não porque o Wolverhampton seja maior, tenha mais história ou seja mais prestigiado do que o Benfica ou o FC Porto ou o Sporting (e sabemos que não é!), mas porque pode pagar muito mais do que se paga em Portugal e compete, só, numa das mais importantes - e é a mais mediática - ligas do mundo.
Como poderá alguém imaginar que o Benfica, mesmo seguindo na Liga dos Campeões, poderia dizer a um jogador de 23 anos como tem Rúben Dias, e com a ambição e os sonhos de Rúben Dias, que não seria transferido para uma das mais fortes equipas de futebol da atualidade, com a possibilidade de ganhar duas ou três vezes mais do que recebe na Luz?
Além disso, como poderá alguém imaginar, nos tempos que vivemos, que um clube português, e mesmo um clube português como o Benfica, que está financeiramente muito, mas mesmo muito, à frente de todos os outros, poderia dar-se ao luxo de recusar a proposta do Manchester City de tantos milhões de euros, ainda por cima sabendo que poderia, em contrapartida, vir a contar com um jogador extraordinário como é Nicolás Otamendi, ainda que alguns possam apressar-se logo a lembrar que já não será o jogador que já foi, como se Pepe fosse hoje o jogador que foi no Real Madrid e não fosse, ainda assim, e mesmo com 37 anos, o jogador capaz de ter a importância fundamental que tem no FC Porto e na Seleção, e como se Mathieu tivesse, com 32 anos, chegado a Alvalade como chegou a Barcelona, tendo, no entanto, como todos vimos, sido ainda muito capaz em Alvalade de se tornar um dos mais influentes e decisivos jogadores da equipa.
Ou, já agora, como se Thiago Silva não tivesse, aos 36 anos, trocado o PSG pelo… novo Chelsea, com ambição e a mentalidade certa para continuar a desafiar-se e a procurar ainda mais sucesso, ou como se Chiellini, o patrão da Juventus, não tivesse 36 anos, ou Bonucci, seu companheiro em Turim, não estivesse já a caminho dos 34…
Pois, evidentemente que não será hoje Otamendi o que era quando em 2015 o Manchester City o foi buscar a Valência e por ele pagou quase 45 milhões de euros. Esse Otamendi, titular da seleção argentina, fez, em cinco anos pelo City de Guardiola, quase 140 jogos só na Premier League (média de quase 30 jogos por época só no campeonato) e foi bicampeão inglês.
Mas estará o defesa-central Otamendi acabado aos 32 anos só porque, circunstancialmente, perdeu espaço no City? Virá para o Benfica só porque não tinha mais para onde ir? E Casillas, estava acabado quando veio para o FC Porto? E Pepe, também? E Mathieu? E Jonas? E, agora, Vertonghen? Vê-se que estão mesmo... muito acabados!...
O que não devemos deixar, julgo, é de valorizar na medida certa a transferência de Rúben Dias para Inglaterra, que pode valer ao Benfica mais de 70 milhões de euros (68 + 3,6 por mais do que prováveis objetivos a cumprir), que seria sempre, em qualquer circunstância, e muito mais na circunstância que vivemos, absolutamente extraordinária, e valorizar também, por que não?, sem qualquer sofisma, o regresso à Liga portuguesa de um jogador da qualidade, experiência, carreira e dimensão de Nicolás Otamendi, que nos habituámos a ver, desde que chegou e defendeu o FC Porto, a ser implacável guerreiro a defender, muito determinado a construir e mesmo a atacar, e feroz na ambição de vencer.
Não, não me parece nada que Rúben Dias tenha dito adeus à Luz só porque o Benfica se despistou na Liga dos Campeões. O que me parece é que Rúben Dias deixaria a Luz fosse como fosse, porque se um clube como o Manchester City quer um jogador, e Guardiola queria mesmo Rúben Dias para salvaguardar já a iminente saída de outra pérola da defesa como é o jovem espanhol Eric Garcia, que quer voltar para casa em Barcelona, quando a fome, dizia, se junta à vontade de comer e os protagonistas são o City e Guardiola, não há como evitar o negócio, a realização do sonho desportivo ou as legítimas aspirações financeiras - e não vejo, reafirmo, como poderia o Benfica cortar as pernas ao rapaz que veio do Seixal com a humildade, o espírito, a determinação, o coração e a tal mentalidade certa para assumir a responsabilidade de fazer pelo Benfica o trabalho que lhe competia e o o trabalho que o Benfica exigia, mesmo considerando que Rúben tem ainda mais para crescer como defesa-central.
Dizer-se que o Benfica não venderia Rúben Dias se tivesse feito o encaixe dos milhões da Champions parece-me pura demagogia. Não me parece outra coisa! Se alegadamente o fizesse, ganharia seguramente um problema em vez de passar a ter, como terá, seguramente, com Otamendi, uma solução. Não esquecer o que até José Mourinho lembrou, não há muito tempo: «Quando um jogador quer deixar um clube, arranja mesmo maneira de o conseguir!». Para bom entendedor!...
PS 1: Luís Filipe Vieira anunciou que se recandidata pela última vez à presidência do Benfica. Fê-lo com um bom e forte discurso, numa sessão com impacto à medida dos 17 anos que leva de liderança, com a presença de algumas grandes figuras da história do clube. Jesus esteve presente. E fez bem. Jesus não é apenas o treinador do Benfica. É um homem de Vieira. É um amigo de Vieira. Só Vieira, disse Jesus, o faria regressar à Luz. Mesmo sendo profissional, fez todo o sentido vê-lo na 1.ª fila. A gratidão tem um preço!
PS 2: Queda com muito estrondo e adeus do Sporting à Europa aos pés do LASK, com derrota mais devastadora ainda que a do ano passado (0-3 na Áustria, em dezembro de 2019, na última jornada da fase de grupos), a poder provocar alguns estragos mais no universo leonino. Enquanto isso, Geraldes e Gelson Dala, ambos sem espaço em Alvalade, quase acabaram heróis do Rio Ave (apesar do desaire) na sensacional noite de Vila do Conde.
PS 3: Diogo Jota já é um Sadio Manezinho do Liverpool. Mas vai ser muito mais ainda. Que belo jogador está!