De el-rei a D. Sebastião?

OPINIÃO20.05.202004:00

JORGE JESUS atingiu um ponto/estatuto na carreira que lhe permite a maior e mais rara de todas as liberdades: poder dizer o que pensa sem filtro, quer dizer, sem ter de medir excessivamente as palavras. Isso viu-se nesta última entrevista que concedeu à BTV (por ocasião do aniversário do  tetra benfiquista, uma saga iniciada por ele e rematada por Rui Vitória). O Jesus sorridente e descontraído que abordou os anos que passou na Luz é um Jesus a falar na condição de rei do Flamengo e do futebol brasileiro, e não a de ex-treinador do rival Sporting amarfanhado por Bruno de Carvalho ou do mister que saiu da Luz zangado com o homem que, algo inabilmente, o havia tentado empurrar dali para fora - o presidente Luís Filipe Vieira. Vimos um Jesus de verbo solto e genuíno (a melhor característica dele) sem medo de desagradar a alguém ou prejudicar putativas hipóteses disto ou daquilo. Devo dizer que os meus amigos benfiquistas, relativamente a Jesus, dividem-se entre os que o admiram e querem que ele regresse (ou pelo menos não se importavam nada);  os que o admiram e não querem o regresso por causa do destino que ele escolheu após sair do Benfica e aquilo que ele disse de Rui Vitória na primeira época em Alvalade; e os que continuam traumatizados com a lembrança do campeonato perdido (aos 90+2’) para o pontapé do portista Kelvin e dos falhanços constantes na Champions. Mas não conheço um que, hoje em dia, torça o nariz à capacidade de Jorge Jesus como treinador, capaz de valorizar jogadores e pôr as equipas a jogar um futebol positivo, atraente e competitivo.
Aquilo que Jesus disse na BTV do Benfica (e do FCP e do SCP…) atual, ou seja, que é muito mais fraco do que o Benfica do tempo dele porque deixou de ter estrangeiros de grande categoria, tem de ser lido não só como uma verdade de La Palice (e um alerta) mas como um balde de água fria em certos entusiasmos. Interpreto esse frase como pré-condição do tal putativo regresso alvitrado por Vieira no meio das crises de Rui Vitória e de Bruno Lage: com este plantel nem pensar em voltar, quer dizer Jesus. Para voltar, só com um investimento capaz de lhe proporcionar a construção uma equipa de nível Champions - como a que teve nos primeiros anos na Luz. Já aqui disse uma vez o que penso de um eventual regresso de Jesus ao futebol português: acho que seria um disparate por vários motivos. Basicamente: ele merece expressar numa liga europeia de topo (Inglaterra, Espanha, Itália..) a categoria que tem e que os brasileiros não tiveram outro remédio senão reconhecer. Regressar a uma liga cada vez mais periférica como a portuguesa (que ele, note-se, ganhou por três vezes, fora as taças) e onde os desafios para um treinador do SLB ou do FCP não são propriamente estimulantes (já se sabe que ou ganha um ou ganha outro)… não faria qualquer sentido na conjuntura atual e seria um passo contra natura, por muito bom que fosse (e era) para nós, media, e para o próprio futebol português.
Creio que Jesus já não está tão certo de que voltar seria um bom passo como estava quando disse a este jornal, no Dubai, que «o bom filho à casa torna», referindo-se à possibilidade (na altura bem real) de voltar a treinar o Benfica. É claro que sendo amigo próximo de Vieira, Jesus corre o risco de ficar uma espécie de D. Sebastião da Luz sempre que o treinador em funções patinar e o presidente começar a ver «luzes». Como aconteceu com Vitória e estava a acontecer com Lage quando a pandemia interrompeu a época. Mas volto ao mesmo. Saindo do Flamengo, onde está a fazer um belíssimo trabalho e onde é visto (e tratado) como um rei, Jesus só pode ir para um clube europeu de topo, ou, pelo menos, para um clube europeu que lhe dê meios de competir a sério na Champions.
Tem o Benfica (ou qualquer outro grande português) capacidade de lhe dar isso? Altamente improvável, para não dizer impossível. Os próximos anos em Portugal serão mais de retração do que outra coisa. E Jesus sabe isso.

Varandas mais só

Opresidente do Sporting perdeu mais dois elementos da Direção - por alegados motivos pessoais / profissionais saíram o vice Filipe Osório de Castro e o vogal Rahim Ahmad - antes de apresentar um plano estratégico para os próximos dois anos (que prevê a qualificação para a Champions) e anunciar, em entrevista ao Canal 11, o regresso em força à formação como pedra de toque do novo edifício futebolístico leonino. Isso e a confiança cega no treinador Rúben Amorim, cuja capacidade Varandas exaltou sem restrições assim como a promessa de que o jovem Matheus Nunes «vai pagar [os dez milhões que custou] o treinador». O futebol profissional do Sporting parece estar a trilhar caminhos mais realistas e sensatos. Mas também é verdade que Varandas tem vindo a perder, aqui e ali, o apoio dos que estavam com ele no início. E isso não pode deixar de significar algo. Por exemplo, que alguma coisa Varandas não está a fazer como tinha dito que ia fazer.