Dar o braço a torcer
DAR o braço a torcer é uma das mais estranhas frases portuguesas. Como se dá um braço a torcer a alguém? Desatarraxa-se do tronco, entrega-se a um amigo e espera-se que este, com um movimento de torção, nos rebente com a clavícula? É improvável. No fundo, sendo económicos no palavreado, o que queremos dizer é: enganei-me. Frederico Varandas poderia dizer, se abordasse a contratação de Jesé, que se enganou. Ou que dá o braço a torcer. Tal como Luís Filipe Vieira relativamente à entrada de Raul de Tomas, com uma pontinha de redundância: enganei-me e, além disso, dou o braço a torcer. Ou Pinto da Costa, falando na terceira pessoa, comentando o rendimento de Zé Luís: o gajo enganou-se e não quer dar o braço a torcer.
COMO tenho os braços demasiado magrinhos para que alguém se console a torcer um deles, aqui estou a admitir: enganei-me. Durante anos a fio, sempre que alguém me perguntava o que eu achava, por exemplo, da pressão dos turcos nos jogos em casa, a minha resposta era sempre a mesma: adepto não marca golos. Vejo agora que a tese, sendo verdadeira, é igualmente falsa. A única pessoa que, estando na bancada, influenciava o que se passava no terreno, era Júlio César. Aliás, era mais o seu polegar, consoante se virava para cima ou para baixo. Pois bem, aqui estou a dar o braço a torcer e, ao mesmo tempo, redundância das redundâncias, a dizer que me enganei. Adepto marca golos, sim. Ou, no mínimo, faz assistências.
ALGUNS dos 63 golos marcados, na Luz, na Liga 2018/2019 foram-no com a força dos adeptos encarnados vinda das bancadas. E nem sequer falo no 10-0 ao Nacional, no 6-0 ao Marítimo, no 6-2 ao SC Braga ou nos 5-1 a Boavista e Portimonense. Falo do 1-1 com o Sporting (João Félix, 86) e do 1-0 ao Tondela (Seferovic, 84). Ou, já esta época, no 2-1 ao Aves (André Almeida, 89), no 3-2 ao Belenenses (Chiquinho, 78) e no 1-1 com o Moreirense (Pizzi, 90+1). Sem o apoio de 60 mil pessoas na Luz, possivelmente o Benfica teria perdido mais pontos em alguns destes jogos. Agora, sem público nas bancadas, cria-se a ilusão de ótica de que alguns dos jogadores do Benfica são iguais a alguns de Moreirense, V. Setúbal, Tondela, Portimonense ou Santa Clara. Tal como, jogando sem a negativa pressão das bancadas de Alvalade, cria-se a ideia de que alguns jogadores do Sporting poderão integrar o plantel do Liverpool em 2020/2021. Nada como aguardar. Para que não tenhamos, daqui por uns meses, de dar o braço a torcer até nos rebentarem com a clavícula. Ou, no mínimo, dizer que nos enganámos.