Da ilusão à desilusão
O coletivo deve estar acima do individual e tem de ser o líder a garantir essa premissa
NO artigo que escrevi a 27 de Novembro, abordei o sig- nificado do NÓS e referi o seguinte: «Pressupõe que o coletivo está sempre acima do individual e é o líder que garante esta premissa. A união, o sacrifício, a solidariedade, a determina- ção, a crença e a entreajuda combinam-se nesta palavra e são fundamentais para qualquer seleção atingir o ponto máximo». O jogo com a Suíça alterou a trajetória que vinha sendo seguida pela Seleção. Não estando em causa o valor de quem quer que seja, a decisão do nosso selecionador foi a que lhe garantia mais hipóteses de sucesso, sem nunca deixar de reforçar que todos são funda- mentais e importantes no grupo, independentemente de começarem a titulares ou como suplentes.
FERNANDO SANTOS
Aforma como nos exibimos frente à Suíça demonstra a importância da liderança no caminho que seguimos. Tantas vezes criticado por ser conservador, por ser dependente deste ou daquele jogador, a realidade é que foi por causa de Fernando Santos que recuperámos a capaci- dade de sonhar, após grande exibição frente à seleção helvética. O crescimento e a forma como nos apresentámos neste Mundial teve vários degraus. O primeiro foi a perceção de que temos de ser uma equipa com bola, dominadora, pois é assim potenciamos o talento incrível da gera- ção de futebolistas que temos à disposição; o segundo é que estes jogadores têm uma grande personalidade, que lhes permite pensar pela sua própria cabeça. Têm espírito crítico, não receiam quem quer que seja, estão sedentos de vitórias e, se estiverem confortáveis em campo, conseguem vencer qualquer adversário; O terceiro e talvez o que fez o clique de um futebol dominador, mas pouco animador, para um futebol de outra dimensão é que o coletivo está sempre, sempre, sempre acima da individualidade. O desporto e o futebol vivem de rendimento. E os treinadores têm sempre de tentar encontrar as melhores soluções. Todas as equipas trabalham bem e conhecem os adversários. A única forma de estar mais perto da vitoria é ter coletivo que funcione e permita que as individualidades ganhem destaque.
A forma como vencemos a Suíça é a melhor memória que teremos do Mundial de 2022. Um jogo completo, com solidariedade, compromisso, concentração, mobilidade, imaginação e alegria. Marcámos 6 golos a uma seleção que apenas tinha sofrido 2.
TOMBA-GIGANTES
MARROCOS é a surpresa do Mundial. Apresenta uma ideia de jogo bem definida. É muito compacta em termos defensivos. Todos os jogadores participam e se disponibilizam para ajudarem a tapar os caminhos para a sua baliza. Tem um meio campo agressivo, mas também com qualidade, onde se tem vindo a destacar Ouhani, com a capacidade de sair da zona de pressão com bola controlada, acelerando o jogo da equipa. Em termos ofensivos é uma equipa que tem processos simples. Assim que recupera a bola, procura sair de forma rápida através de Hakimi, Ouhani, Boufal, Zyech e a referência En Nesyri.
Foi assim que foi surpreendendo, deixando para trás a Bélgica na fase de grupos. De seguida, eliminou Espanha e Portugal, sempre a jogar da mesma forma e com um jogador a destacar-se claramente: Bono, guarda redes que tem uma enorme qualidade a sair a jogar com os pés e foi brilhante frente aos países ibéricos.
ESTRATÉGIA CONTRA MARROCOS
C ONHECENDO o adversário e os seus pontos fortes, a abordagem não foi a melhor. Sabendo que Marrocos baixa toda a sua equipa para o meio campo defensivo, que se sente confortável em não ter bola, deveríamos ter tido outra forma de construir jogo. A falta de largura foi evidente e a forma como sempre procurámos criar situações de desequilíbrio pelo centro do terreno, que estava povoado, acabou por ser um equívoco. Na segunda parte melhorámos com a alteração de posicionamentos (médio defensivo e laterais) e as mexidas, nomeadamente Ronaldo e Rafael Leão, que obrigaram Marrocos a recuar.
Tivemos várias ocasiões que podiam ter dado rumo diferente ao jo- go. Sem fazer uma grande exibição, a diferença esteve na eficácia e nos erros. Portugal cometeu um - abordagem má de Diogo Costa e, Marrocos teve um guarda redes que não nos permitiu reentrar no jogo.
FUTURO DE CRISTIANO
CR7 tem uma carreira única. É o melhor jogador português de TODOS os tempos. Está entre os melhores de sempre do futebol. Tudo o que tem vindo a alcançar é algo tão extraordinário e fantástico que dificilmente alguém em Portugal o conseguirá repetir. É verdade que, neste momento, não é titular na nossa seleção, mas desenganem-se aqueles que pensam que Ronaldo deixou de ter um papel principal. Enquanto estiver na Seleção, CR7 é fundamental para o sucesso. Afirmo-o baseado na sua dimensão e no reflexo que tem nos outros. Jamais alguém teve tanta influência no crescimento do jogador português e na ambição de vencer, nunca conheceu limites, quer sempre mais, trabalha para continuar a crescer e a desenvolver competências, impõe objetivos aos que estão com ele, obriga-os a estarem nos limites, detesta perder e fez ver aos portugueses que os sonhos podem conquistar-se. É um exemplo para uma geração nova de talentos que o venera e segue os seus exemplos. Abriu a porta e os horizontes a todos os jogadores mais novos, demonstrando que Portugal consegue conquistar o Mundo, tendo qualidade, foco, determinação e capacidade de trabalho. Continua a ser o centro das atenções, concentra em si toda a pressão, desperta curiosidade e paixões, gera respeito nos adversários. Para continuar presente, Ronaldo deve ter a perceção de que continuará a ser importante, percebendo que o rendimento desportivo deverá ser a base da definição de um onze.
FUTURO DA SELEÇÃO
TEMOS um grupo de jogadores com qualidade, que jogam e são fundamentais nos melhores clubes europeus. Portanto, o futuro está asse- gurado. Nas próximas competições de seleções teremos argumentos para defrontar qualquer adversário. Será fundamental criar uma ideia de jogo e uma organização coletiva que permita que os jogadores se sintam confortáveis em campo. Teremos, igualmente, de ter a noção que nem sem- pre a qualidade é o ingrediente fundamental para vencer competições, como estamos a verificar neste Mundial. O compromisso, a solidariedade, a capacidade de sofrimento e a empatia entre todos são fundamentais para estarmos mais perto do sucesso. Se juntarmos a importância da valorização do coletivo, comparativamente às individualidades, poderemos estar mais perto do sucesso.
A ADULTA CROÁCIA DERRUBA BRASIL
Ofavorito Brasil caiu por terra aos pés de Croácia que, até ao momento, só venceu um jogo no Mundial. É verdade que o Brasil foi mais forte em todo o jogo, que Livakovic fez uma grande exibição, mas não podemos desvalorizar a crença, a dedicação e a estabilidade mental desta formação balcânica. É talvez a seleção mais adulta do campeonato. Liderada por um dos jogadores que deveriam ser eternos, Modric, a equipa sabe o que tem de fazer em todos os momentos, percebe e reconhece o valor dos adversários. Raramente se expõe ou perde o equilíbrio. Tem a maturidade e qualidade para saber interpretar os diferentes momentos. Dispõe de um meio campo que se complementa e que a torna especial. Tem uma força mental que lhe permite estar sempre em jogo, mesmo quando muitos já não acreditam que seja possível dar a volta a um resultado negativo. Os campeões definem-se nos momentos mais difíceis. Muitos dirão que a Croácia venceu o Brasil com sorte, eu prefiro interpretar a sorte como algo que os jogadores croatas nunca deixaram cair, a força de lutar até ao último minuto e de acreditar que seria possível, mesmo tendo a noção de que o Brasil tem um conjunto de jogadores com maior qualidade.
A VALORIZAR
Enzo Fernandez — O penálti falhado no desempate com os Países Baixos não mancha a qualidade da exibição. Partiu como suplente, neste momento é um indiscutível e viu o seu valor subir em flecha.
Hoalid Regragui — Marrocos está a surpreender e deve-o muito ao selecionador. Com organização compacta, de processos simples, explora as qualidades dos jogadores e incutiu uma noção de coletivo.
A DESVALORIZAR
Brasil — Uma grande desilusão, a forma como o Brasil caiu por terra. Depois de ter feito o mais difícil, colocar-se em vantagem, não pode permitir que o adversário faça um contra ataque em superioridade numérica aos 117 minutos.
Portugal — Frente a Marrocos não confirmámos a nossa qualidade e deixámos cedo uma competição onde podíamos chegar muito longe.