Da bola a rolar
SE o senhor Feliz (SF) e o senhor Desconfiado (SD) pudessem já encontrar-se, com A BOLA por entre eles, à mesa de um café, a cavaqueira talvez fosse a ficção a virar realidade:
SF: - Felizmente, volta o futebol.
SD: - Desconfio é que possa voltar como na história do romântico a suicidar-se por excesso de paixão, à sombra dum livro aberto, com a pistola que a rapariga lhe levara sem saber bem para quê.
SF: - Lá estás tu com o teu metaforismo a esfarrapar-se em dúvidas desconfiadas, quando o que devias ter era felicidade pela bola no seu destino, a rolar.
SD: - A rolar só para alguns. Se pode rolar para a I Liga, por que não pode na II? Mas nem é nisso que estão, em maior, o que tu achas que são as minhas dúvidas desconfiadas. É, por exemplo, no saber o que acontecerá se um jogador de uma equipa for apanhado infetado. Vai, por arrastada, toda ela para quarentena?
SF: - Não me parece que possa ser assim porque a DGS vai exigir, a todos, testes na hora, jogando com eles…
SD: - ... e se se levantar vaga mais feroz da pandemia, a Liga volta a ser suspensa e já passar a haver campeão?
SF: - O que interessa, agora, é a ideia do Russell de que nunca podemos deixar de fazer o que temos de fazer na vida: saber que pontes temos de atravessar, saber que pontes temos de queimar.
SD: - É esse o ponto: saber se a ponte que se vai atravessar ou a ponte que se vai queimar só se vai atravessar ou só se vai queimar por a classificação ser a que era quando o campeonato parou - ou se se volta a jogo por se ter erguido aos clubes a ditadura das receitas da TV...
SF: - Não, importante, agora, é que a bola volte a rolar, mesmo que em meia dúzia de estádios vazios, num futebol diferente. Digo-te mais: nestes turvos tempos de medos e angústias a pedirem-nos linhas cor-de-rosa no horizonte, nem sequer me descontenta ver que podem estar a atirar-nos comprimidos de Prozac pelas gargantas abaixo nas bolas que voltarem a rolar porque é disso, também é muito disso, que a gente precisa.