Crónica que Vitória não vai gostar de ler
Em outubro do ano passado, ainda no dealbar de uma época em que o Benfica começou mal, a eventual rendição de Rui Vitória foi tema trazido para a discussão pública, na altura com intenções que teriam menos a ver com os resultados (e as exibições) pouco entusiasmantes e mais com o propósito de incomodar Luís Filipe Vieira, o qual, meia dúzia de meses antes, em entrevista publicada em A BOLA, associou o nome do treinador à garantia de sucesso do projeto.
Defendeu a sua continuidade por muitos anos e, reflexamente, valorizou a estabilidade que tanto preza e que tem permitido à instituição a que preside distanciar-se da concorrência. «Estamos avançados mais de dez anos», afirmou.
Este ano, porém, consequência da pouca arte em conquistar o penta, as dificuldades vão aumentar e o grau de exigência também, podendo ocorrer que logo em final de agosto a posição de Vitória volte a ser questionada. Basta que falhe a Liga dos Campeões, um desígnio muito importante em nome da saúde desportiva e financeira do clube.
Uma coisa é apontar como meta os oitavos de final da competição, ou os quartos, enfim; outra, incomensuravelmente mais modesta, é pedir que se passe a 3.ª eliminatória de acesso e o play-off, em que cabem adversários todos eles de menor cotação europeia, embora lá surja um tal Basileia que muito contribuiu para cavar o humilhante desempenho da águia em 2017/2018, traduzido num zero total.
Rui Vitória jamais se explicou com a nitidez devida. Titubeou, apenas. Faltou-lhe a humildade de um verdadeiro líder para se penitenciar perante a nação benfiquista. Vendo nele uma pessoa de valores e de princípios, só descortino uma justificação para esse arremedo de arrogância que é a de não se ter apercebido do brutal trambolhão e das dores que ele provocou.
Na sequência de duas temporadas que lhe correram manifestamente bem e em que carimbou a sua qualidade, apesar do cenário adverso e de situações de enorme complexidade com que se viu confrontado, é admissível que tivesse sido traído por um certo deslumbramento, o que não significa menos responsabilidade, tão-só a dificuldade na constatação da diferença entre trabalhar em clube que se ficar em quinto lugar cumpre a missão e se for sexto, paciência, ou em clube unicamente talhado para ser campeão e se ficar em segundo é um mar de problemas.
Se Jesus demorou três anos a perceber isso, deseja a família benfiquista que Vitória revele a agilidade mental e a capacidade de aprender depressa que faltaram ao antecessor. Dito de outro modo, e reforçando este ponto sem nenhuma ideia de previsão agourenta, apenas no exercício de opinião independente, é pertinente advertir para o risco de condenação por parte do tribunal da Luz no caso de a equipa não conseguir abrir a porta da Liga dos Campeões.
Depois de uma época frustrada, iniciar a seguinte a perder e, consequentemente, a retirar ao Benfica a possibilidade de aceder a uma retribuição superior 40 milhões é o mesmo que convidar à dúvida sobre a competência do treinador para arcar com empreitada de tamanha dimensão.
É normal que assim aconteça. Domingos Soares Oliveira, também entrevistado por A BOLA (março de 2018) e com a frieza analítica que define os gestores, sublinhou que «uma coisa é ser primeiro, outra coisa é ser terceiro». Fixando-se nas contas, destacou uma quebra de 6,9 por cento nos chamados rendimentos operacionais, reflexo da eliminação sem pontos da fase de grupos.
E disse mais: «Fará uma diferença grande: os clubes que estão na Champions e os que não estão, porque para este ciclo de 2018/2021 os valores das receitas na Champions vão praticamente duplicar». Fica o aviso!
Simultaneamente fascinante e cruel, em tão elevado patamar competitivo o futebol não acolhe indecisos: ou se é capaz ou não. É esse, pois, o nó que Vitória tem de desatar.
Na temporada transata, mais do que o badalado desinvestimento no plantel ou da alegada timidez do treinador em contestar as políticas do presidente, com mais e melhor aproveitamento da formação e mais contenção no recurso aos mercados estrangeiros, o malogro foi causado pela sucessão de equívocos na área de intervenção técnica, os quais, pela abundância, não cabem no espaço desta crónica.
Quem o avisa seu amigo é, assim reza o provérbio. Rui Vitória não vai gostar do que aqui fica escrito. É a vida, como ele diz. Embora reconheça que na época finda se confundiu mais do que seria razoável, igualmente acredito que irá dar a volta por cima na próxima.
Nota 1 - Parece-me uma boa ideia Vieira tentar recuperar Renato por empréstimo. O Bayern tem boas razões para aprovar.
Nota 2 - Palavras sábias de Augusto Inácio: se houver eleições agora no Sporting é como começar o campeonato com dez pontos de atraso.