Costas largas!

OPINIÃO14.01.202205:50

Como Rui Costa precisa de olhar para a razão e deixar mais de lado o coração

C ONHEÇO Rui Costa há muito tempo. Conheci-o era ele ainda um jovem rapaz praticamente acabado de passar a jogador de futebol sénior, já lá vão mais de 30 anos. Conheço-o, pois, há tempo suficiente para apostar que o conheço suficientemente bem (ou relativamente bem…) e para julgar saber como ele é, apesar de nunca podermos estar absolutamente certos de conhecer a verdadeira personalidade de alguém.
É verdade que só o tempo nos ajuda a conhecermos melhor as pessoas, e hoje posso dizer sem qualquer receio que Rui Costa foi, ao longo dos anos como jogador, das melhores pessoas com quem tive o privilégio de conviver profissionalmente neste universo do futebol, e já levo, meus caros, algumas décadas como jornalista e algumas centenas de personalidades entretanto conhecidas.
Pela boa relação que fomos estabelecendo nos quase 20 anos de carreira como jogador profissional, pela proximidade que fomos mantendo, posso também afirmar (ele não me desmentirá!) que segui muito particularmente Rui Costa ao longo de praticamente todo o seu percurso de futebolista - extraordinário percurso!!! -, de grande futebolista, de excecional futebolista, um dos melhores e mais talentosos que tive o privilégio de ver jogar, inúmeras vezes ao vivo, com todas as camisolas que envergou.      
Foram, pois, tantos os anos de contacto, tantas as horas de conversa, tantas as oportunidades de trabalho conjunto, tantas as viagens, tantos os momentos partilhados que nunca me foi difícil reconhecer a bondade do caráter de Rui Costa, a seriedade e sinceridade do seu comportamento e das suas decisões e atitudes, a transparência da sua personalidade e a forma sempre correta e até exemplar como visivelmente sempre se relacionou, enquanto jogador, com o mundo do futebol, e o seu profissionalismo, que nunca deixou que fosse beliscado pela enorme paixão que nunca escondeu sentir pelo Benfica, clube a que nunca virou costas e que sempre serviu (pelo que é público e pelo que não é público) com rara dedicação, paixão e sentimento de ajuda.
Parece evidente que nunca, no Benfica, Rui Costa foi apenas um jogador profissional de futebol. Serão, por outro lado, igualmente vários os exemplos de também nunca ter sido apenas mais um dirigente, porque todos os caminhos da vida de Rui Costa vão dar ao Benfica. Creio mesmo que talvez o excesso de amor ao clube possa, esse sim, ter sido, compreensivelmente, capaz de o levar a agir, aqui e ali, mais com o coração do que com a razão, e nem sempre ter sido o bom conselheiro que ele precisa, sobretudo agora, que procura perceber como ser melhor presidente e tomar o indispensável e verdadeiro pulso à liderança de um barco gigantesco como é a instituição desportiva da Luz, reconhecidamente a maior do País.
É à luz de todos esses traços que sou levado a compreender melhor o que levou Rui Costa a falar tanto de si próprio na primeira parte da entrevista que concedeu esta semana ao canal do clube, a primeira, creio, como 34.º presidente do Benfica, democrática e expressivamente eleito nas mais concorridas eleições da história do clube. Provavelmente desiludido e frustrado pela insistência com que se tem visto, pública e notoriamente, associado a processos alegadamente menos claros e transparentes, a decisões ética e moralmente passíveis de reprovação e a uma menos correta ideia de gestão do Benfica, Rui Costa deixou-se levar pela emoção (o lado que se compreende), mas acabou por cair, na minha opinião, no excesso (pelo conteúdo e, sobretudo, pelo tempo que durou) de justificações quanto ao seu benfiquismo (absolutamente inquestionável) e de exemplos quanto à transparência da sua honra e do seu caráter, que, confesso, me habituei a admirar ao longo de quase 30 anos de relacionamento profissional e, por que não assumi-lo, também, pessoal.
Nesta longa (a meu ver, aliás, demasiado longa) entrevista, pareceu-me evidente a intenção de Rui Costa conduzir-se pela sinceridade e genuinidade, que são realmente imagens de marca da sua habitual forma de comunicar, mas julgo que se mostrou, talvez por isso, menos assertivo (talvez menos bem preparado), menos claro e menos eficaz na abordagem das questões desportivas, ao contrário, por exemplo, das mais sensíveis questões da gestão administrativa, como foram os casos da auditoria forense, da composição acionista da SAD e dos possíveis investimentos externos ou do futuro conselho de administração agora que assumiu ter sido surpreendido com a inédita indicação de um administrador por parte do maior acionista privado.
Volto, porém, à parte desportiva da entrevista, pela qual, creio, Rui Costa passou (talvez traído pela verdade e por não querer mais problemas) com algumas explicações mais embaraçosas, menos claras e menos assertivas, nomeadamente sobre a situação que levou à saída de Jesus do comando técnico da equipa, com a imprudência de acabar por se contradizer sobre o papel dos jogadores na rutura com o anterior treinador e, mais imprudente ainda, ao admitir ter feito, enquanto jogador, parte de balneários que, no passado, despediram treinadores.
Em vez de se mostrar firme quanto à disciplina exigida aos profissionais, Rui Costa teve um discurso morno sobre tudo o que se terá passado na véspera de Jesus tomar a iniciativa de deixar a Luz. Perdeu, parece-me, boa oportunidade de se mostrar mais firme e contundente, e não precisava, evidentemente, de expor mais o grupo de trabalho, bastaria apenas sublinhar que Jesus não saiu por atos de indisciplina (que ele próprio nunca poderia admitir), que ninguém no Seixal violou as regras e que tudo se resumiu a um desentendimento que acabaria, naturalmente, resolvido se o treinador, porventura, tivesse decidido continuar. O que as palavras de Rui Costa acabam, afinal, por permitir é a continuada ideia de que os jogadores (muitos ou poucos, não importa) é que foram decisivos para a saída de Jesus. E o presidente devia ter posto fim a essa ideia. De forma clara!
Confusas foram, ainda, as ideias expressas por Rui Costa quanto ao futuro, ao famigerado projeto para o futebol, ao tão falado e discutido paradigma da relação da equipa principal com a formação. Talvez na ânsia de ser o mais «politicamente correto» que muitos benfiquistas, e analistas e comentadores externos, parecem querer ouvir, Rui Costa deixou-se cair numa espécie de «condenação» deste tempo do Benfica com Jorge Jesus, com as contratações milionárias mais a alegada ausência de aposta na formação (!!!), em contraponto com o que o Benfica, supostamente, melhor deve fazer, tendo mesmo Rui Costa acabado por afirmar-se disposto a contratar, no futuro, um treinador que se encaixe no «famigerado projeto» (o que é isso?) e não a encontrar um «projeto» que se encaixe no treinador, como muito se diz (santa hipocrisia!...) que voltou a suceder com Jesus, que, nesse sentido, teria, segundo algumas muito equivocadas opiniões, levado o Benfica a interromper (seja lá isso o que for) o seu mais desejado paradigma.
Deve recordar-se, porém, que não foi por causa de Jesus que o Benfica contratou, nos últimos anos, jogadores como Raúl Jiménez por 22 milhões de euros, Raul de Tomás por 20  milhões, Julian Weigl por 20 (e um salário verdadeiramente inconcebível para Portugal), Pedrinho por 20 (depois transformados em 18), Carlos Vinícius por 17, Rafa Silva por 16, Luca Waldschimdt por 15, Gabriel por 10 - para referir apenas exemplos mais dispendiosos…
E foi, é verdade, por indicação expressa de Jesus que o Benfica contratou Darwin Núñez por 24 milhões de euros, Everton Cebolinha por 20 milhões, Lucas Veríssimo por 12 e Gilberto por 3, mais João Mário, com um custo que ainda hoje está verdadeiramente por se conhecer. De quase todos eles, pode esperar-se que o Benfica venha a realizar importantes mais-valias, e não parece difícil de admitir que só a eventual venda de Darwin venha a dar para pagar todas as outras contratações a pedido expresso de Jesus!
Além disso, parece-me também inaceitável que se procure ignorar que com Jesus, desta vez, da formação do Benfica passaram a jogar com mais regularidade na equipa principal jogadores como Morato, Diogo Gonçalves e Gonçalo Ramos, além das oportunidades dadas a Nuno Tavares (não foi certamente Jesus que decidiu mandá-lo para o Arsenal…) e as que, na última época, teve, por exemplo, o jovem João Ferreira; era ainda Jesus quem estava a preparar a ascensão à equipa principal (com os cuidados indispensáveis, parece-me) do visivelmente talentoso Paulo Bernardo.
Com todo o respeito por Rúben Amorim, pela qualidade do trabalho de Rúben Amorim, por algumas (assertivas) apostas de Rúben Amorim, por necessidade ou convicção, em jovens da formação leonina, pelo talentoso discurso de Rúben Amorim, pela admiração que nos exalta o extraordinário sucesso de Rúben Amorim, pelo menos Jorge Jesus está livre de se ver acusado (deus do céu, o ruído que seria!...) de, numa época e meia, e em mais de 50 jogos (!!!), ter deixado um miúdo como Dário Essugo jogar, e em apenas dois encontros, um total de 15 escassos minutinhos, certamente para inglês ver!... Realmente, Jorge Jesus precisa mesmo de ter as costas muito largas!...