Correu bem!

OPINIÃO05.03.202106:05

Um ano de Amorim levou o leão a fazer as coisas com cabeça. E com cabeça aproveitou o leão o cenário favorável

FAZ esta sexta-feira um ano que Rúben Amorim, um dos mais promissores treinadores europeus da atualidade, se apresentou, com apenas 35 anos, ao universo leonino, de forma singular, num dos principais átrios do Estádio de Alvalade.
Amorim sempre foi alguém muito extrovertido, muito espontâneo, muito aberto, alguém sem dificuldade de falar em público, já como jogador sabia muito bem o que queria dizer e como dizer e muito mais agora, que escolheu ser treinador para o resto da sua vida profissional.
Não teve, por isso, dificuldade de enfrentar o peso e a pressão de se ver apresentado como treinador de uma das grandes equipas nacionais, e todos recordarão a simplicidade com que transmitiu ideias e confiança, orgulho e determinação, e a força e a clareza com que desafiou também o risco que clube e treinador corriam, dadas as circunstâncias de ter custado aos leões a invulgar soma de 10 milhões de euros.
«Falam do risco de poder correr mal, mas pergunto: e se corre bem?», questionou, diante dos jornalistas, Rúben Amorim, por entre aquele esboço de sorriso que é já uma das suas imagens sempre que fala, e sob o olhar então fixo do presidente Frederico Varandas e do responsável pelo futebol leonino, o antigo craque dos leões, Hugo Viana.
Rúben insistiu com tanta convicção na ideia de «poder correr bem» o que não deixou de considerar o desafio «talvez mais difícil» que poderia ter escolhido, que até parecia estar já a adivinhar o que de bom veio mesmo, até agora, a suceder ao leão, ao contrário do que certamente a larga maioria poderia esperar.
«E se conseguirmos?», voltou Rúben Amorim a lançar, com a firme vontade de fazer da ideia uma das mensagens-chave para todos quantos teriam, a partir daquele momento, de se envolver e comprometer com a tarefa de devolver, no mínimo, ao Sporting o orgulho de voltar verdadeiramente a ser concorrente ao título de campeão e o entusiasmo de olhar de frente a possibilidade de ter sucesso em vez de continuar a sentir-se preso nas angustiantes amarras do passado.
Há um ano, prometeu, entretanto, o presidente Frederico Varandas que a chegada de Rúben Amorim a Alvalade mudaria também o paradigma do futebol leonino. Na altura, lembro-me de ter defendido, neste mesmo espaço de opinião, que se Frederico Varandas viesse a mostrar ter realmente nova estratégia para o futebol profissional do clube - apostando, ou recuperando, porventura, gente que sentisse verdadeiramente o Sporting e pudesse orgulhar-se de defender o Sporting -, com a tentativa, por exemplo, de fazer regressar alguns jogadores formados em Alcochete (como veio a verificar-se com os regressos de Palhinha ou João Mário), então o Sporting poderia estar verdadeiramente em condições de viver um novo começo.
Foi o que aconteceu. O presidente leonino não apenas confirmou ter aprendido com os erros e com a instabilidade provocada pelos erros, como mostrou ser capaz de resistir ao discurso populista do «desta vez é que é» e das vãs e demagógicas promessas de luta pelo título, como deixou ainda de parecer mais preocupado com a galinha do vizinho, passando a cuidar muito mais da própria casa, onde muitos e diferentes responsáveis passaram muitos destes quase vinte anos sem título de campeão obcecados com os problemas da conjuntura, em vez de se preocuparem com os problemas da… estrutura!
Apesar de tudo o que foi bem feito até agora e de tudo o que levará muito provavelmente o leão a regressar ao trono de campeão nacional, Rúben Amorim sabe muito bem, porque é inteligente, que o Sporting tem vindo a viver esta época cenário e contexto muitíssimo favoráveis e que, em certa medida, isso também contribuiu, até ao momento, para o fantástico percurso de um leão ainda invencível no campeonato ao fim de 21 jornadas, e já são, na verdade, muitas jornadas!
Mas nem todos os justificados elogios dirigidos ao jovem treinador leonino, equipa e estrutura do futebol, nos devem impedir de avaliar a realidade e o que ela sugere, e não apenas Rúben Amorim como os restantes responsáveis mais diretamente ligados ao futebol sportinguista reconhecem certamente, porque são profissionais e estudam os processos, o que também jogou desta vez a favor do leão.
Sabê-lo é ser realista; e ser realista, para os responsáveis leoninos, significará ter a noção do que deverá ser feito num outro qualquer cenário, sabendo (pelo menos é o que se espera e deseja) que será muito improvável, a curto/médio prazo, voltarmos a ver repetir-se o cenário de calamidade que atirou para uma trincheira a realidade das nossas vidas.
 

Aequipa do Sporting foi, por exemplo, a que mais dias (61) teve de intervalo entre o último jogo de 2019/2020 e o primeiro do Sporting 2020/2021 (a 27 de setembro). Ao contrário dos seus mais diretos rivais (com pouco mais de uma semana de férias), os jogadores leoninos puderam ter três semanas de descanso. A situação de FC Porto e Benfica foi semelhante: jogaram ambos a final da Taça de Portugal a 1 de agosto e recomeçaram a competição, respetivamente, a 15 e a 19 de setembro (o Benfica em Salónica, com o PAOK, o FC Porto com o SC Braga, para o campeonato).
No caso dos encarnados, último jogo, pois, a 1 de agosto, regresso dos jogadores para os habituais exames médicos a 8 de agosto e primeiro treino com Jesus a 10 de agosto. Quanto à competição, o Benfica voltou a competir 45 dias depois, o FC Porto 49 dias depois, o SC Braga 56 dias depois e o Sporting apenas 61 depois.
Para dispor desses dois meses de intervalo, o leão beneficiou ainda de ter visto adiada a 1.ª jornada da Liga (Gil Vicente). Em vez de ter começado a competir a 17 de setembro, fê-lo apenas uma semana depois, a 24 (com o Aberdeen,  para a Liga Europa).
Além disso, pode presumir-se, sem exagero, que o terceiro jogo oficial do Sporting terá até acabado ainda por ser chave para o que veio depois a suceder à equipa e Rúben: a eliminação em Alvalade, frente ao LASK Linz. Sabe-se que sem a Liga Europa, a equipa de leonina ficou imediatamente com menos seis jogos para fazer até dezembro, o que tem, evidentemente, sempre algum peso - e sobretudo os treinadores sabem-no bem - na gestão de uma equipa de futebol, e muito mais entre as equipas, como o Sporting, que mais responsabilidade têm sempre de procurar ganhar.
Mais: o Benfica fez, por exemplo, ontem, com o Estoril, o 39.º jogo desta época 2020/2021; o FC Porto fez, quarta-feira, com o SC Braga, o 37.º (teria 38 se já tivesse jogado a 2.ª mão com a Juventus), e o SC Braga o 38.º. Já o Sporting tem apenas 29 encontros realizados, menos dez que o principal rival de Lisboa!
O leão está, pois, por muitas razões, num campeonato à parte, e é inegável que tem juntado ao contexto, e circunstâncias, altamente favoráveis, o aproveitamento e competência de um treinador que dá a ideia de insistir no discurso moderado, objetivo e sem excessos de alguma ordem, exatamente por ter a noção da realidade e perceber como essa realidade tem jogado, igualmente, a favor da equipa.
Vale a pena, por ser justo, reparar que no outro campeonato, no campeonato dos mais castigados pelo calendário e pelo contexto, entre o sensacional SC Braga (que é o 2.º) e o Benfica (que é o 4.º), com o FC Porto pelo meio, a diferença pontual é, apesar de tudo, muito curta: apenas 4 pontos.
Parece claro que não podem todos estes dados deixar de ter algum significado, não se tratando, evidentemente, de procurar encontrar desculpas para adversários, justificações para desaires ou razões para sucessos, e sabendo-se que o Sporting conseguiu, até agora, construir uma vantagem tão inesperada e anormal como clara e justa em matéria de campeonato, vantagem, repito, que deverá ser-lhe suficiente para chegar a maio e, da melhor maneira que lhe for possível, poder então voltar a viver a festa a que o campeão tem sempre direito.
 

NÃO é muito importante saber agora se Sérgio Conceição o disse apenas para ser absolutamente sincero ou se o fez também por estratégia; mas, sim, concordo por inteiro; esta época, com bola, a equipa do SC Braga é a que melhor futebol tem jogado entre nós. Reconhecê-lo é apenas justo!