Contra onze e sem Varelas ‘à condição’
1 - Depois do que ouvi na narração e li em comentários ao jogo do Benfica contra o Dínamo de Zagreb e nos (poucos) dias que se lhe seguiram, senti-me atormentado quanto à partida em Moreira de Cónegos, ainda por cima sem nenhuma margem de segurança depois do percalço da jornada anterior. Disse-se e escreveu-se que Bruno Lage havia errado em não ter posto alguns jogadores fundamentais logo no começo do jogo europeu, que a equipa iria ser afectada pelo cansaço físico, que o Moreirense era a equipa sensação do nosso campeonato, que - imagine-se - nem o Porto lá conseguiu vencer, que o ‘efeito Belenenses’ poderia fazer estragos, que João Félix estava a baixar no seu gabarito exibicional, que, blá-blá-blá, trololó. Estes incisivos presságios, tão doutoralmente explanados no restrito domínio quiçá científico da análise futebolística, foram amplificados por títulos e observações de primeira página na manhã de domingo. Já nem me refiro tanto à pateta, enjoativa e indigente expressão de, com mais jogos disputados, haver líderes ‘à condição’. Refiro-me a títulos exclamativos tais como: forte pressão na águia, azul à frente, abraçados ao topo, Lage sem margem de erro, Benfica ao reencontro de um trauma e muitas outras expressões que aqui me dispenso de reproduzir.
Com o devido respeito pelo Moreirense, pela notável carreira que tem feito esta época e pelo seu sagaz treinador, mais parecia que o Benfica iria a Camp Nou defrontar o temível Barcelona e que o ex-benfiquista e valoroso atleta Chiquinho era o temível Messi de Moreira de Cónegos.
No fim, tudo normal. Ganhou o Benfica. Ganhou contra onze, ganhou sem Capela, marcou quatro golos. Até poderia ter estado aos 3 minutos a jogar contra 10 do Moreirense tal foi a agressão que Grimaldo sofreu quando seguia para o ataque. Acontece é que os rolamentos (regulamentos) mentais da arbitragem portuguesa não permitem expulsar nenhum jogador nos primeiros minutos, com a veneranda excepção do jogador do Marítimo expulso contra o Porto (que até o ‘tribunal’ do diário desportivo pró-FCP considerou, unanimemente, não ter sido motivo para vermelho directo). O Benfica ganhou também com frescura física, assim contrariando os comentadores especializados em educação física de sofá. Como bem disse Bruno Lage, o que cansa não é jogar, é perder.
Em abordagem fotográfica, o Moreirense 0 - Benfica 4 é o positivo e o Benfica 1 - Moreirense 3, o negativo. Ou seja, o paradigma do contraste entre um Benfica tristonho, apático, cinzento de antes e um Benfica cintilante, esclarecido e colorido de agora. Será suficiente para vencer o campeonato? Não poderemos agora saber, mas já foi o suficiente para ser líder depois de recuperados 7 pontos, e ser a única equipa que não depende do resultado de qualquer outra. Seis dias antes, o azar bateu à nossa porta. O Benfica vencia, com naturalidade, os ‘azuis do Jamor’ por 2-0 e houve a coincidência de dois erros incomuns num espaço de 3 minutos (erros que sempre podem surgir, mas não em duplicado na mesma partida). Depois tivemos o alto critério técnico de Capela que viu penáltis por todos os poros do relvado do Dragão, mas não viu o que poderia ter dado então o 3-1 ao Benfica. O mesmo árbitro de inigualável critério disciplinar que o levou a evitar um segundo amarelo a um belenense que andou toda a segunda parte a dar pancada ao João Félix, para, enfim, o expulsar, por caridade, no último minuto do jogo, mas que no Dragão nem pensou duas vezes em, depois de ir ao monitor, expulsar um maritimista aos 7 minutos! Curiosa a partida no Dragão: Capela desastroso, como é seu timbre, corrigido pelo VAR. A vez que acertou (amarelo ao defesa do Marítimo) alterou a decisão por iniciativa do mesmo VAR. Assim se criou uma nova figura: a do Varela, mistura sapiente de VAR e Capela.
Aliás, já não há palavras para descrever a inaptidão de dois árbitros que, por aí, andam, mas não desandam: Capela e Veríssimo. Com uma única diferença: o primeiro sempre com um ar apalermado de sonso, tipo sacristão laico; o segundo sempre com um ar altaneiro e peitudo, tipo mandão encartado . Só falta mesmo o Conselho de Arbitragem reservá-los para os jogos do FCP e do Benfica em Braga…
2 - Chegados aos quartos-de-final das competições europeias, o que vemos? Seis equipas inglesas, três espanholas, duas portuguesas, duas italianas, uma alemã, uma holandesa e uma checa. Quanto às inglesas atingem esta fase todas as equipas que iniciaram a competição, com a coincidência da normalidade de, também na Liga inglesa, serem neste momento as primeiras seis classificadas. Surpreendente é o que chega da Alemanha, de algum modo confirmando a decepção da selecção alemã no campeonato do Mundo: foram eliminados Bayern, Borussia, Schalke 04, Hoffenheim, Bayer Leverkusen, Leipzig, só sobrevivendo o próximo adversário do Benfica - Eintracht Frankfurt - que, curiosamente, é o clube de entre aqueles com pior posição do ranking. A propósito desta tabela ordenadora, o Slavia de Praga (o 40º dos 48 clubes da fase de grupos) eliminou o 1º do ranking da Liga Europa (Sevilha), uma surpresa que considero positiva para que as estatísticas e o dinheiro que lhes está associado não determinem os resultados antes dos jogos efectuados. Tal como, o Villareal, que em periclitante posição de descida à segunda divisão espanhola, ultrapassou, com facilidade, o mais poderoso Zenit de São Petersburgo. Completamente dizimada foi a representação francesa que beneficia, sabe-se lá como e porquê, de um estatuto nada compatível com a mediocridade do seu próprio campeonato: PSG, Mónaco, Lyon, Marselha, Bordéus e Rennes afastados! Já a imperial Espanha teve, esta temporada, uma razia a que não estava habituada. Viu partir o R. Madrid (subjugado pelo liliputiano Ajax), Atlético de Madrid, Sevilha e Bétis. Na Itália, Roma, Lazio e os antes consagrados Inter e Milan já não moram na Europa do futebol. No meio de tudo, há uma boa notícia para Portugal, actualmente 7º classificado no ranking. Aproxima-se dos que lhes estão imediatamente acima (França e Rússia) e afasta-se do que está imediatamente abaixo (Ucrânia), que já não têm clubes em competição.
Este imaculado desempenho das equipas inglesas não é obra do acaso. Lá respira-se um futebol mais livre, mais emocionante, mais competitivo, mais leal. Claro que muito se deve ao dinheiro, mas não só. Há uma cooperação e protecção da actividade/indústria que está acima e para além da rivalidade nos relvados. Não se perde tempo com amuos e discussões desprestigiantes e não há a destruição-do-dia-seguinte que consiste em encapsular os jogos em suspeições, desvarios, especulações, em um certo hooliganismo mediático e em comentários vampirescos. Como escreveu Vítor Serpa, em A BOLA do passado sábado, num artigo elucidativamente intitulado «O futebol inglês em sentido contrário», lá atingiu-se um «superior patamar de organização, de planeamento, de rigor e de qualidade», ao mesmo tempo que «se acabou com a violência e se derrotou o flagelo do hooliganismo». Por isto tudo e não apenas pelo dinheiro farto, a Inglaterra recebe de braços abertos os melhores treinadores e os melhores jogadores.
A diferença entre o futebol inglês e o nosso, é que lá através da cooperação e da linearidade das regras, se fortalece a concorrência desportiva, ao passo que por cá se quer exterminar a concorrência, ficando a prazo todos a perder. Mal comparado, é a diferença política entre quem acha que a justiça social se faz acabando com os ricos, em vez de ir pelo caminho de acabar com os pobres, de tal modo que, no fim, há paradoxalmente mais pobres e… mais ricos!