Confinando, divagando e, por fim, lamentando
Nunca foi tão apropriada, como neste fim de semana, a afirmação proferida há uns meses, perante o confinamento a que estive sujeito enquanto vítima do Covid-19 - antes confinado do que finado!...
Com todo o respeito por todos os finados e suas famílias, mas sem qualquer hipocrisia, prefiro ver as portas fechadas dos cemitérios onde repousam os nossos entes queridos e homenageá-los cá de fora, do que ter as portas abertas para ser eu o visitado e homenageado.
E permitam-me também que vos confesse uma coisa: posso contestar as regras do confinamento adaptadas ou indignar-me com as excepções, conforme as pessoas ou os eventos, mas não vou perder tempo com a discussão sobre a constitucionalidade dessas medidas preventivas! Faz-me lembrar uma história que o meu Avô contava e que transmitiu às gerações que se lhe seguiram, sobre um professor do colégio onde andava e que tinha um medo enorme das trovoadas e dos relâmpagos que normalmente as acompanham. Um medo tal que, quando aconteciam as trovoadas, o levava a esconder-se debaixo da cama do seu quarto. Um dia o Director do dito colégio confrontou o seu estado de pânico com a existência dos pára-raios das redondezas questionando-o sobre os seus conhecimentos: então não sabe da ciência física que os pára- raios se destinam a proteger os edifícios da acção dos raios? Tremendo de medo com o aproximar de mais uma trovoada, respondeu-lhe o professor: eu sei, os raios é que podem não saber de física!... Sou jurista - é verdade - mas tenho a certeza que o vírus não vai deixar de andar por aí, estando-se nas tintas para o que diz a Constituição de cada país.
Respeitando assim este confinamento concelhio resolvi confinar-me fora de Lisboa e, na quarta-feira passada, vim para o concelho de Aveiro a tempo de ver o meu clube em Itália e o meu clube de coração, tudo na televisão, já que a Juventus jogou em Itália e o Estádio José de Alvalade continua sem acesso dos adeptos e sócios sofredores, e que agora se poderiam deliciar ao vivo com esta juventude que tão bem joga futebol.
Sim, sou da Juventus por solidariedade com o meu cunhado italiano, reforçada agora com a presença do meu compatriota e consócio Cristiano Ronaldo, que tanta falta está a fazer, e que espero venha para a minha equipa - a dos recuperados - o mais breve possível!
Para começar mal o meu confinamento foi a derrota da Juventus, sem Ronaldo, ante o Barcelona, com Messi. Depois foi sofrer até aos minutos 82 e 84 do encontro com o Gil Vicente. Confesso que estava um pouco descrente quanto a dar a volta ao resultado, desculpando os jogadores, dada a sua juventude. Contudo, há ali tanto talento e tanta alegria e determinação, que devemos acreditar até ao fim na viragem do resultado! É muito cedo para se exigir o que quer que seja desta equipa, antes a devemos deixar crescer em paz e sossego, porque, ou me engano muito, ou estes jovens, com o seu jovem treinador, vão dar muito que falar. Tenho vindo a preocupar-me com o fosso que se tem vindo a cavar entre nós e os nossos rivais, mas agora, ao menos, dá-me um gozo enorme ver estes meninos a jogar futebol! Foi, pois, com grande felicidade que me fui deitar, indiferente aos resultados das eleições do clube rival, que não à participação no acto eleitoral, e daí as minhas felicitações aos sócios do Benfica.
Quando na quinta-feira acordei já a Assembleia Geral do Sport Lisboa e Benfica havia tomado, por maioria absoluta dos associados presentes, a deliberação de manter Luís Filipe Vieira na presidência do clube. O Sport Lisboa e Benfica tem assim um presidente de acordo com os estatutos e com a lei. Ao contrário, o meu querido clube teima em ter um presidente minoritário, isto é, um presidente eleito contra a maioria absoluta dos associados presentes, com base numa norma estatutária ilegal, porque violadora do Código Civil Português! Incomoda-me que o presidente do Benfica tenha uma percentagem de votos a favor (62,59%), enquanto o do Sporting Clube de Portugal teve uma percentagem de não votantes (57,68%) muito aproximada! Será que os responsáveis do Sporting Clube de Portugal na matéria não tiram as ilações correspondentes? Uma maioria é sempre uma maioria, como uma minoria é sempre uma minoria.
Para não ter que meditar muito sobre matérias que me incomodam, como as alterações aos estatutos do meu clube, ou as inconstitucionalidades do Covid-19, dediquei o resto de quinta-feira ao trabalho até descontrair num jantar de amigos numa cervejaria que abriu praticamente em tempo de pandemia num desafio gastronómico de sucesso - a cervejaria Costa Nova, nome que se associa à louça do mesmo nome e que predomina no ambiente! Desta vez não me deliciei com a vichyssoise, sem implicações políticas, nem com a sopa de peixe chora, mas com uma sopa de cebola soberba. De seguida dediquei os meus dentes - nem precisava deles - a uma carne grelhada do melhor que tenho comido. Com esta descrição não estou a fazer um frete ao meu querido amigo, o chef João Pedro Carneiro, mas um favor aos amigos e conhecidos que visitam esta linda cidade de Aveiro, sede do meu confinamento neste fim-de- semana!
Como não há bem que sempre dure, quando estava terminando estas inócuas divagações durante o meu confinamento concelhio, recebi a triste noticia do falecimento da minha estimada professora de Português, que devia ter agora 97 anos, lúcidos e activos. No primeiro artigo que escrevi nesta Via Verde, intitulado Memória Grata, já lá vão mais de cinco anos, trouxe-a justamente à colação:
«Não posso iniciar esta nova experiência sem me recordar da minha querida Professora de Português do Liceu de Camões, no inicio dos anos sessenta, Dra. Élia de Almeida, hoje uma Senhora de noventa e dois anos de idade e a mesma cabeça de então! Foi ela que descobriu este meu prazer de escrever em liberdade e com liberdade.
Eu era um aluno irrequieto - mesmo mal comportado - e pouco amigo da fazer aquilo que me mandavam ou queriam impor. Nem todos os professores despertavam a minha atenção, como estes também tinham mais de se preocupar com o conjunto - mais de quarenta alunos por turma - do que com o cábula do Dias Ferreira.
Mas eu adorava português e tinha uma profunda admiração por essa grande Senhora, que me marcou para a vida a partir do episódio que conto de seguida.
Um dia, como trabalho de casa para o fim-de-semana, a Professora mandou fazer uma redacção sobre esse mesmo fim-de-semana. Não a todos, fazendo uma excepção: o Dias Ferreira fará a redacção sobre o tema que entender!
E passados uns dias, quando corrigiu os nossos trabalhos, quem tantas vezes me criticou, aliás cheia de razão, elogiou, com generosidade, o meu trabalho, mas salientou, sobretudo, a necessidade, que eu sentia, de não estar limitado.
Não me lembro do que escrevi. Nem do tema tão pouco. Mas nunca mais esqueci as suas palavras, porque elas deram sentido à minha rebeldia. »
Nos últimos anos tive, felizmente, algumas oportunidades para reviver com ela esses anos da adolescência e manifestar-lhe a minha gratidão pela forma como me ensinou e educou. Hoje sinto-me bem mais pobre, como pobre está o País que a viu prestigiar o ensino secundário e a língua portuguesa! Ao seu estimado filho os meus sentidos pêsames, Obrigado, Dra. Élia de Almeida e descanse em paz. Ficará para sempre na minha memória grata!