Como ser protagonista dentro e fora dos relvados

Como ser protagonista dentro e fora dos relvados

OPINIÃO26.03.202306:30

A seleção nacional começou um novo ciclo, com um novo selecionador e que todos esperamos que seja de enorme sucesso

SABER FECHAR O CICLO ANTERIOR

PARA começar um novo ciclo, é necessário saber fechar o anterior. Fernando Santos pode não ter tido o condão de nos entreter com um estilo de jogo atrativo, mas conseguiu aquilo que ninguém tinha feito: títulos para a nossa seleção, reconhecimento e prestígio. Podemos apontar muitas críticas à forma de trabalhar do engenheiro, mas a realidade é que o espírito de grupo e a união que conseguiu criar foram fundamentais para a obtenção de êxitos. Dentro da estrutura da FPF e fora, todos deverão reconhecer este facto. Por este motivo, percebemos e valorizamos a quantidade de mensagens que o ex-selecionador recebeu, principalmente daqueles que privaram mais de perto com ele. Como em tudo na vida, há sempre exceções e, neste caso, uma enorme exceção. Cristiano Ronaldo, o capitão e o melhor jogador de Portugal de todos os tempos, não fez aquilo que tantos colegas seus fizeram. Não endereçou publicamente nenhuma mensagem ao seu ex-comandante, que tantas vezes o elogiou e defendeu. Pior, acabou por menosprezar Fernando Santos ao destacar, insistentemente e de uma forma artificial, o bom ambiente, o dinamismo e a alegria que se vive agora, dando a entender que no passado tal não existia. Apesar da rutura entre os dois, teria ficado muito bem a Cristiano Ronaldo endereçar algumas palavras de agradecimento, camaradagem e reconhecimento por alguém que, em conjunto com ele, todos os seus colegas e restante staff, fez história pelo futebol português.
 

 


ROBERTO MARTÍNEZ: A MISSÃO 

MUITO mais do que pedir uma revolução nos jogadores convocados, o que queremos ver é um futebol diferente, mais audaz, mais dominador, mais agressivo e mais contundente. Que tenha a capacidade de potenciar as características e qualidades do excelente conjunto de jogadores que temos à disposição. Aparentemente parece fácil fazê-lo, mas quem tem alguma experiência dentro do futebol, percebe a dimensão do trabalho que o novo selecionador tem pela frente. Num lote de jogadores com tanta qualidade, o difícil é fazê-los perceber que o nós deverá estar sempre acima do eu. Isto significa que não podem jogar todos, que existem escolhas que terão de ser feitas, que para se atingirem resultados positivos todos têm de ter compromisso, apoiarem os colegas e contribuírem sempre que forem chamados. Gerir os egos ou expetativas e indicar o caminho a seguir, é a missão mais difícil de um selecionador. Se dentro do grupo de trabalho existirem líderes, tudo fica mais fácil. Estes, por definição, são aqueles que percebem o seu papel e que o assumem sem benefício próprio. O novo ciclo é um teste não só para Roberto Martínez, mas também para os verdadeiros líderes de balneário aparecerem e contribuírem de uma forma positiva. 
 

ROBERTO MARTÍNEZ: PRIMEIRO TESTE INCONCLUSIVO 

TRABALHADOR, preparado, dedicado, frontal ou conciliador, estas são algumas das características do novo selecionador nacional. A atenção ao pormenor salta à vista. Nos poucos meses que está em Portugal já foi ver inúmeros jogos, falou com uma grande parte dos jogadores selecionados, tentar expressar-se em português, demonstrando vontade e desejo de se integrar no nosso país e na nossa cultura. O primeiro desafio que teve pela frente foi de grau de dificuldade muito baixo. Este é um dos motivos pelos quais não podemos ou devemos retirar grandes conclusões da exibição frente ao Liechtenstein. Para complementar, Roberto Martinez só teve a oportunidade de realizar 3 treinos pelo que, ainda não existem movimentos ou rotinas que possamos identificar. Deste primeiro teste conseguimos apenas guardar alguns apontamentos. O primeiro é que o novo selecionador irá apostar num sistema com três centrais, que em teoria, lhe permitirá ter maior segurança no momento da transição defensiva. Para reforçar esta ideia, o primeiro onze contou com a presença de Palhinha na frente da defesa, sendo um jogador com uma enorme capacidade de bloquear os ataques dos adversários, que tem uma enorme amplitude de movimentos e que permite que os colegas que jogam numa posição mais avançada se sintam confortáveis na retaguarda. Os quatro laterias convocados encaixam na perfeição neste sistema, pela capacidade e desequilíbrio ofensivo que apresentam. Resta encaixar toda a magia que pode existir no meio campo ofensivo e frente de ataque, tentando encontrar um equilíbrio e empatia entre os diferentes jogadores, como Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Vitinha, João Félix, Diogo Jota, Rafael Leão, Gonçalo Ramos ou Cristiano Ronaldo. 
 

 


CANCELO: MELHOREM CAMPO E FORA DELE 

FOI o melhor em campo no jogo com o Liechtenstein. Fora do relvado, esteve igualmente a um grande nível, assumindo um papel de líder e dando o exemplo. Salvaguardou as devidas diferenças entre Fernando Santos e Roberto Martinez, mas realçou por diversas vezes que “não devemos ser ingratos” com alguém que teve um papel determinante na conquista de títulos inéditos por Portugal. Ter a capacidade de reconhecer o mérito dos outros e saber agradecer é uma caraterística cada vez mais rara. Cancelo expressou a sua opinião, pensou pela sua cabeça e deu o exemplo a Cristiano Ronaldo, que não teve a capacidade de dedicar algumas palavras a alguém que as merecia. Relembro que João Cancelo foi, a par de Cristiano Ronaldo, um dos preteridos do jogo com a Suíça no Mundial 2022. Com certeza que ficou chateado ou como se diz na gíria futebolística, com azia, mas a realidade é que essa deceção não lhe retirou o raciocínio nem a capacidade de perceber, identificar e reconhecer o trabalho do anterior selecionador. Para se elogiar o novo capítulo na seleção não devemos esquecer, apagar ou ignorar o passado recente, até porque esse passado irá ficar na história de Portugal.
 

 


O ESCLARECIMENTO DE JOÃO PALHINHA 

ESTÁ a fazer uma época de nível muito elevado no Fulham de Marco Silva. Os mais distraídos, podem estar surpreendidos com a qualidade que João Palhinha tem vindo a demonstrar. Para aqueles que acompanham o seu percurso e a sua evolução, o sucesso que está a atingir é apenas mais um passo seguro num caminho sempre ascendente que está a ser a sua carreira. Se dentro do relvado nos habituou a ser eficaz, a ser um tampão defensivo nas equipas onde atua, a privilegiar o coletivo em detrimento do individual ou a ser um jogador que garante os equilíbrios no meio campo, fora dos relvados revela a mesma destreza e capacidade. Tal como João Cancelo, Palhinha também pensa pela sua cabeça. E é tão bom ouvir os protagonistas a expressarem as suas opiniões nos momentos certos e sem receio das palavras. No final do jogo com o Liechtenstein, João Palhinha comentou os assobios que João Mário havia sido alvo durante o jogo. O comentário de Palhinha veio sob a forma de uma pergunta: «É essa a imagem que querem deixar aos filhos?» Esta é uma pergunta que deve ser colocada a muitos dirigentes e agentes desportivos em Portugal. As atitudes dos adeptos, são na maior parte das vezes, o reflexo das mensagens que são passadas por aqueles que têm a capacidade de os influenciar. Volto a reforçar a importância de se ouvirem os protagonistas, de os deixarem falar sobre a evolução do jogo, de lhes permitirem ter opinião e expressá-la sem segundas intenções. Acredito que se os protagonistas falassem mais vezes em detrimento de departamentos de comunicação ou dirigentes, que querem tempo de antena para se manterem no poder, o futebol português estaria num caminho bem diferente.
 

A VALORIZAR

Gonçalo Inácio. Estreou-se a titular pela Seleção Nacional. Um prémio para um jovem jogador que tem vindo a apresentar uma grande consistência no Sporting de Rúben Amorim. 
 

A DESVALORIZAR

Nagelsmann. Foi contratado por €20 milhões mas nunca conseguiu demonstrar a qualidade que apresentara no Leipzig. Foi despedido numa fase da época de grandes decisões.

Fernando Santos. Uma entrada em falso no primeiro jogo ao serviço da Polónia. Aos 3 minutos já estava a perder por 2-0. O jogo com a Albânia será importante para deixar uma imagem diferente.