Como ganhar jogos sem ataque?

OPINIÃO20.02.201900:25

1 - O drama de Sérgio Conceição começou a tornar-se claro em Roma, onde o FC Porto teve de enfrentar uma primeira mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões desfalcado de Aboubakar, de Marega e de Corona (em minha opinião, estúpida mas justamente castigado). Um suplemento de alma e de atitude permitiu à equipa conseguir, apesar de tudo, marcar um golo que reabriu as esperanças quando tudo já parecia perdido. Logo depois, já com Corona, mas sem Brahimi (lesionado em Roma, vítima de si próprio e da insistência em dribles tão redundantes que acabaram numa entorse), foi o Vitória de Setúbal, remetido à defesa do princípio ao fim, que mostrou à saciedade as dificuldades atacantes de uma equipa já com uma forte tendência para ligar o complicómetro na hora das decisões rápidas e letais, forçada a jogar sem o abridor Brahimi (se não estiver em versão pião) e, sobretudo, sem o rompedor Marega. Para agravar as coisas, Soares viu o quinto amarelo, que o afastará do próximo jogo da Liga, em Tondela, culpado que foi de ter sofrido dois penáltis não assinalados na mesma jogada e de se ter tentado desenvencilhar de um adversário que desabou em peso em cima dele. Enfim, atacar-se-á com quem se puder em Tondela, nem que seja com Éder Militão a ponta-de-lança. O pior vai ser o ciclo infernal dos três jogos decisivos a enfrentar sem Marega e Aboubakar e talvez também sem Danilo, vítima de uma entrada faltosa e não sancionada de um jogador do Setúbal: em Braga para a primeira mão da Taça de Portugal; no Dragão, com o Benfica, jogo de título; e no Dragão ainda, com a Roma. É uma dose tremenda de pouca sorte e uma dose imensa de imprevidência, como já o escrevi antes, e que resulta da aposta total na Taça da Liga, que sobrecarregou ao limite os jogadores numa fase em que eles pediam desesperadamente um descanso antes de atacarem estas semanas decisivas. Está feito, feito está. Resta confiar no grande espírito de luta e de conquista que está no ADN desta equipa e destes jogadores.

2 - Mesmo não dando grande importância à deslocação à Luz, que foi mais uma visita de cortesia do que outra coisa qualquer, a verdade é que o Sporting de Braga falhou os três jogos da verdade - as deslocações a casa dos outros rivais na disputa dos quatro lugares cimeiros do campeonato nacional. E, embora no Dragão o resultado tenha sido um tangencial 0-1, arrancado já perto do final, ele não reflectiu a história de um jogo onde o Porto fez todas as despesas do ataque, procurando sempre a vitória, enquanto o Braga pareceu desde o princípio contentar-se com o empate, nada mais tentando. A mesma estratégia me pareceu que levava para Alvalade, mas acabou derrubada mais prematura e claramente pelo golpe decisivo do «abre-latas» Bruno Fernandes, como lhe chamou, numa expressão feliz, Abel Ferreira. Foi mais um livre de execução primorosa e uma jogada com assistência para golo, tão simples quanto brilhante, de um jogador que eu não me canso de elogiar. E, de uma penada, vieram ao de cima todas as limitações do Braga, restando agora ver o que faz em casa contra Benfica e Porto - já depois de lá ter levado de vencida o Sporting. Que está muito acima de todas as restantes equipes do campeonato, já o provou; resta provar que está realmente próximo dos europeus.

De uma penada também, os contestatários sportinguistas tiveram de recolher os lenços brancos, os insultos a Keizer, a contestação a Frederico Varandas e disfarçar as suicidárias saudades do escritor Bruno de Carvalho. O grande problema dos sportinguistas é a impaciência. A falta de paciência para compreender que as dificuldades que o clube atravessa em todos os domínios não são resolúveis por um simples agitar de uma varinha mágica e num par de meses ou de anos. O mal é antigo e muito profundo. Mais do que financeiro ou desportivo, é cultural. E esses são os mais difíceis de tratar.

3 - Os 10-0 que o Nacional encaixou na Luz - com o pormenor de sofrer o primeiro golo aos 33 segundos sem que nenhum jogador seu tenha tocado na bola ou estado próximo de o fazer - foram uma humilhação histórica. O que significa isso e apenas isso, não sendo legítimo insinuar ou presumir mais do que isso. E como não vejo programas de debate televisivos, não sei de mais do que isso, a não ser por ouvir dizer. Todavia, quando Costinha, depois de a seguir ter ganho 4-0 ao Feirense, se apressou a proclamar que estava ali um resultado que servia como prova para desmentir todas as insinuações ofensivas, raciocinou exactamente ao contrário. Como é fácil de compreender.

4 - Quando hoje vemos um jogo do campeonato inglês, com as bancadas cheias de um público vibrante que desce praticamente até às linhas divisórias do campo, sem nenhuma barreira nem cordão policial ou de stewards a separá-lo dos jogadores, a evitar arremesso de objectos para o relvado ou a impedir uma hipotética invasão de campo, é difícil imaginar que aquele é o mesmo público que ainda não há muito anos era conhecido como os hooligans do futebol. Que eram uma tamanha praga que o governo inglês chegou a ameaçar seriamente suspender os campeonatos indefinidamente se a violência e os confrontos nos estádios continuassem. As medidas que a Liga inglesa e as autoridades tomaram então e que conduziram a uma total reversão da situação são hoje parte de uma incrível história de sucesso que é um verdadeiro case study para qualquer Liga e qualquer país que tenha que enfrentar o mesmo problema e queira verdadeiramente resolvê-lo e não apenas fingir que o vai resolvendo.

Entre nós, não obstante o perseverante esforço das autoridades policiais, em termos de informação recolhida e identificação dos maiores bandidos à solta nos estádios portugueses, estamos ainda na fase de fingir que estamos a atacar o problema. E a maior prova disso é que há apenas 18 - dezoito - indivíduos proibidos de frequentar estádios de futebol em Portugal. Responsáveis principais por este fingimento são os governos que não têm coragem para legislar duro; os tribunais que, como habitualmente, são lentos e complacentes; os clubes que não ousam enfrentar as suas claques; e a Liga que não ousa enfrentar os clubes. Temos algumas tímidas leis, como a da obrigatoriedade de registo das claques, mas mesmo essa não passa de fachada, como se vê com o continuado e impune incumprimento por parte do Benfica - cujo presidente tenha o desplante de dizer que ali não existem claques mas apenas «grupos organizados de sócios». Recentemente, aliás, tivemos um exemplo eloquente da hipocrisia em que tudo funciona.

Pela segunda vez e pelo mesmo motivo - falta de legalização das claques - o Benfica foi condenado a jogos à porta fechada no seu estádio (4). E pela segunda vez, o castigo foi suspenso graças a uma providência cautelar interposta pelo clube, enquanto se espera, creio que há dois anos, pelo desfecho do primeiro castigo, igualmente suspenso por providência cautelar. É Portugal no seu habitual: a justiça adiada ou atrasada e, quando o não está, fica suspensa. O mais extraordinário, porém, é que, assim que foi noticiado o castigo, o Benfica saltou em cima da Liga de Clubes, acusando-a de ser responsável pela sua ocorrência e de estar envolvida num processo de «perseguição ao clube». Ou seja, em lugar de reconhecer a sua culpa em teimar em não cumprir uma lei que todos os outros cumprem, o Benfica insiste em arrogar-se o direito de viver acima da lei e arvora-se em vítima perseguida se alguém se atreve a aplicar-lhe a lei que se aplica aos outros. Pior ainda é que a Liga, em vez de responder que a lei existe para defender o espectáculo do futebol contra os seus inimigos e que o Benfica não é mais que os outros, o que fez? Fez um comunicado a sacudir a água do capote, a chutar as responsabilidades para a Federação, cheios de medo de indisporem o grande Benfica! Uma absoluta vergonha. Tive pena, porque respeito muito Pedro Proença. Mas, de facto, só consigo explicar isto pelo temor reverencial que o Benfica inspira em tanta gente graças à influência que soube conquistar em todo o lado e que o e-toupeira ilustra exuberantemente. Que tristeza!