Como é belo o ténis

OPINIÃO06.07.202206:30

Os imortais Djokovic e Nadal (joga hoje) aceleram para a final de Wimbledon e futuro do ténis está garantido com Jannik Sinner e Carlos Alcaraz

J Á aqui escrevi várias vezes que gosto imenso de ténis, um dos desportos individuais mais espetaculares e mediáticos. No ténis de alto nível, a capacidade mental é tão ou mais importante que o talento e a condição física. No court, passa-se do céu ao inferno (e vice-versa) num instante - numa pancada - e quem é mais forte mentalmente costuma levar a melhor, sobretudo em jogos equilibrados que se prolongam como maratonas. Ontem, foi isso que valeu a Novak Djokovic para vencer, em cinco sets, o jogo dos quartos de final com o jovem lobo italiano Jannik Sinner (20 anos), naquela que terá sido até ao momento a melhor partida do torneio de Wimbledon. O miúdo italiano de aparência (e origem) alemã arrasara o fenómeno espanhol Carlos Alcaraz (19 anos) nos oitavos de final, e até entrou a matar perante o campeão em título: venceu os dois primeiros sets (7-6 e 6-2) com surpreendente autoridade. Mas depois não teve mãozinhas para segurar a vantagem e responder à mais que previsível reação de Djokovic. O sérvio, espécie de parede humana, operou a reviravolta com o habitual misto de foco, classe, talento e experiência que só vemos no outro monstro sagrado em atividade - o espanhol Rafael Nadal, que hoje defronta o americano Taylor Fritz de olhos postos na meia-final (o adversário será o vencedor do duelo Nick Kyrgios-Christian Garin).
Aquilo que Sinner mostrou em Wimbledon depois do que se viu Carlos Alcaraz fazer nestes últimos meses provam a capacidade de regeneração do ténis - como é belo este desporto! - numa altura particularmente delicada. A era dos inigualáveis big three encaminha-se para o fim e são precisos novos heróis. Não pode haver um deserto. Tanto Sinner como Alcaraz parecem ter o que é preciso para andarem no topo por muitos anos.  
Novak defronta na meia final o herói da casa, Cameron Norrie, que venceu noutra eletrizante maratona de cinco sets o belga David Goffin. Como tantas outras grandes figuras do desporto britânico nascidas fora da Albion - lembro Mo Farah (Somália), Chris Froome (Quénia), Bradley Wiggins (Bélgica), Justin Rose e Kevin Pietersen (África do Sul) -, Norrie é o tal inglês que nasceu em Joanesburgo (África do Sul), filho de pai escocês e mãe galesa; e que cresceu em Auckland (Nova Zelândia) e estudou numa universidade do Forth Worth, Texas (EUA), antes de assentar definitivamente em Londres. O esquerdino barbudo que hoje fará manchete em todos os jornais ingleses teve uma atuação plena de crença e intensidade perante Goffin, mas escusado será dizer que Djoko é favorito claro a uma oitava presença na final. Cuidado, no entanto, com a extraordinária energia que o público da casa transmitiu a Cameron quando ele mais precisava. Deram-lhe asas. E que ovação, que delírio no court quando o inglês fez o ponto da vitória…!  
O que me parece é que no próximo domingo, mais dificuldade, menos dificuldade, vamos ter mais um duelo entre Nadal e Djokovic (o 60.º!, está 30-29 a favor do sérvio), com o espanhol de olhos postos no inédito Grand Slam - não esquecer que Rafa venceu os dois anteriores Grand Slams (Austrália e Roland Garros) e tem como objetivo fazer aquilo que só o imortal Rod Laver fez (por duas vezes!): ganhar os big four no mesmo ano. Se conseguir vergar, como se espera, o americano Fritz, Nadal poderá ter pela frente na meia-final um dos tenistas mais talentosos e desmiolados do circuito, o australiano Nick Kyrgios, que tem incendiado Wimbledon ora com pancadas e jogadas de génio, ora com protestos, mímicas apalhaçadas e apartes grosseiros que ele considera fazerem parte do seu papel de bad boy; um papel que desempenha com evidente naturalidade mas que, francamente, não lhe tem trazido grandes proveitos desportivos. Kyrgios é um desperdício difícil de compreender. Tem um talento quase sobrenatural e percebe-se, vendo-o jogar, que pode, estando para aí virado, aniquilar qualquer adversário. O problema é que ele não consegue concentrar todas as energias naquilo que importa.


FEDERER, QUE SAUDADES 

SOBRE a bonita cerimónia que marcou os 100 anos do court principal do All England Club e que levou à catedral londrina, entre outros, campeões imortais como Roger Federer, Rod Laver, Bjorn Borg, Pete Sampras, John McEnroe, Andre Agassi, Chris Evert, Martina Navratilova, Serena Williams, Martina Hingis e Billie Jean King. Tão bom rever o grande Roger - para mim, o Beethoven do ténis - e ouvi-lo dizer que quer voltar assim que possa, nem que seja para jogar «uma última vez». Creio que todos os fãs de Federer - e são tantos, tantos, por esse mundo fora! - sentem o mesmo. Que ele não pode ter acabado assim, sem a despedida grandiosa que merece, prestada por milhares de espectadores nos courts de Melbourne, Roland Garros, Wimbledon e Flushing Meadows, onde ele ofereceu espetáculos inolvidáveis. Quando (e se) voltar, pouco importa aquilo que conseguir fazer. Toda a gente compreende que Roger tem quase 41 anos. A única coisa que importa é que na derradeira aparição ele sinta o reconhecimento e a gratidão de milhões de adeptos pela qualidade e elegância supremas do seu ténis.
Nadal e Djokovic são igulamente fabulosos e até podem terminar as respetivas carreiras com 23 ou 24 Grand Slams cada um, mas creio que Federer, como Pelé no futebol, Michael Jordan no basquetebol, Eddy Merckx no ciclismo e Cassius Clay no boxe, içou-se a um patamar diferente. O da grandeza absoluta, unânime e indiscutível, que continuará a ser lembrada e reconhecida dentro de 100 anos. Se me pedirem para explicar porque é que Roger é o maior se até há outro (Nadal) que ganhou mais torneios do Grand Slam, apenas direi que, tendo visto jogar Federer (e Borg, Connors, Lendl, McEnroe, Vilas, Edberg, Wilander, Becker, Sampras, Agassi, Nadal e Djokovic…), sinto que nunca houve nem haverá outro tenista como ele. Sinto.