Com o Sérgio
Ao tropeçar no Sérgio Conceição no Instagram de Pedro Neves, saltou-me à cabeça o Siddhartha do Hermann Hesse (já vão perceber porquê…) Para quem não leu, eu desvendo: Siddhartha era filho dum brâmane na Índia antiga que vivendo em aparente idílio, a todos transmitia alegria e sonho - e só a si próprio é que não. Sentindo-se condenado a apodrecer num mundo de gosto amargo e vida em dor, decidiu fugir do que, para si, não passava de mau jogo a consumi-lo até à náusea. Primeiro passo: juntou-se aos Samanas, ascetas autoflageladores que negavam a carne e buscavam a luz através da renúncia (crendo que transferiam a alma para chacais mortos). Flagelado e escanifrado (e ainda insatisfeito) descobriu, adiante, o Buda - que lhe ensinou em oito partes o caminho para o fim do seu sofrimento. Também não lhe chegou…
Com o céu a flutuar e o rio a correr, Siddhartha encontrou Vasudeva, barqueiro que o surpreendeu pela simplicidade do seu viver. Logo depois enrodilhou-se na sensualidade de Kamala, a cortesã de lábios de figos acabados de cortar. Preso a ela e outros prazeres, ganhou vício: o jogo a dinheiro. Irritando-se e abespinhando-se ao perder, foi-se enclausurando no vinho - e, ao sentir-se fastidioso e repugnante, numa noite de insónia, Siddhartha agarrou o espírito de Vasudeva, redescobrindo-se, enfim, na sua luz, afastando-se, de vez, do lhe que fora a vida num murmúrio antes largado:
- Este caminho é estúpido, desenrola-se em espirais, talvez em círculos, mas vá para onde for segui-lo-ei…
Ao ouvir Sérgio Conceição defender a retoma do futebol (mesmo com estádios esqueletos nas suas bancadas vazias) vi nele o Siddhartha a esquivar-se a esse «caminho estúpido». E, ao ouvi-lo falar do perigo da «politiquice» e dos «desequilíbrios» (ou dos «exageros» que podem «fazer do futebol algo de extraterrestre») vi nele o desejo de que o futebol volte sem a Kamala a viver para certos prazeres ou para certas traquibérnias. (E nisso eu estou com o Sérgio.)