Cintra sobre Varandas e...vice-versa!...

OPINIÃO29.06.201902:20

Não seria fácil, em semana (ou semanas) de dedicação quase exclusiva da Comunicação Social à transferência de João Félix para o Atlético de Madrid, alguém chamar a atenção da imprensa escrita e falada. Só poderia mesmo ser algum tema relacionado com o Sporting, sendo absolutamente desnecessário dizer que teria de ser pela negativa que ele chamaria a atenção! A memória é curta e, por vezes, é necessário avivá-la, o que vou procurar fazer reportando-me a 27 de Outubro de 2019, data em que escrevi uma crónica neste jornal intitulada «Varandas sobre ... Cintra», e no qual concluía por uma chamada de atenção ao presidente Varandas, seguindo o raciocínio popular de que quem tem amigos destes não precisa de adversários: quem tem um assobio destes na varanda presidencial, não precisa das assobiadelas da claque!... Debruçava-me então, na minha varanda de opinião, sobre a entrevista de Sousa Cintra ao Record, em 22 de Outubro de 2018, que veio revelar, com genuinidade, é certo, mas sem qualquer sentido de oportunidade, que José Peseiro foi a sua terceira escolha para treinador do Sporting! E revelou ainda, entre outras coisas, a indecisão do mesmo, a análise de 300 jogadores, as informações do amigo, para não falar da gordura do Viviano e a afirmação de que não houve quem o quisesse, numa clara valorização deste activo! Mas a melhor de todas as revelações é a de que nem todos os elementos da Comissão de Gestão concordaram com a sua aposta em Peseiro, ao contrário de todos os candidatos às eleições, que, se por qualquer motivo, não concordavam, pelo menos respeitaram a decisão. Mesmo Madeira Rodrigues, que queria Ranieri, respeitou Peseiro nas considerações que fez sobre ele. Acrescentei que não me parecia, que quem dera aquela entrevista tivesse respeitado a sua própria escolha e decisão!... Perguntei se se tratava de um tiro no pé ou retirada do tapete?  E respondi que, pelo contrário, a passadeira tinha sido estendida e o tiro teria tido outra direção!


O tempo - não foram precisos mais de meia dúzia de dias - deu-me razão. A passadeira para o despedimento havia sido estendida e o alvo do tiro de Sousa Cintra era efectivamente José Peseiro. E durante todo este tempo nunca ninguém me convenceu ou quis convencer que esta entrevista não tinha sido conveniente para a decisão de Frederico Varandas, de que, de resto, discordei, sem prejuízo de a considerar um acto de coragem da sua parte, uma vez que, com a contratação de um outro treinador, assumiu uma responsabilidade que estava sobre os ombros de quem havia contratado José Peseiro. Foi uma decisão arriscada, e, por isso mesmo, não posso deixar de a louvar. Tanto mais que correu bem e, se tivesse corrido mal, não deixaria de a criticar. Observação a esta decisão, que não me passou pela cabeça, foi a de que com Peseiro o Sporting seria campeão. Primeiro, porque esta opinião não é séria, e, em segundo lugar, porque ninguém acreditava, fosse qual fosse o treinador, que o Sporting pudesse ganhar o campeonato. Tem tanta falta de honestidade intelectual como teria uma afirmação da minha parte a dizer que comigo a Presidente o Sporting seria campeão. Não o disse, nem antes, nem depois das eleições. Se o dissesse, isso significaria que, para além da falta de votos, não tinha condições intelectuais para conduzir a nau leonina.


Esta afirmação não é séria porque, por um lado, não pode ser comprovada pelo seu autor, e, por outro, porque foi o mesmo Sousa Cintra que, dias antes da decisão de Varandas, desacreditou o treinador que havia contratado, abrindo o caminho ao seu despedimento. Parece anedota, aliás de muito mau gosto!... Mas já que voltei à entrevista de Cintra de Outubro de 2018, faço lembrar o apelo que este dirigiu aos sportinguistas no sentido de estarem ao lado do presidente: «Unidos, a puxar todos para o mesmo lado!» Nessa altura, percebi a afirmação: Cintra estendeu o tapete a Peseiro e Varandas puxou-o para o mesmo lado: o da rua!...Meses depois, já não puxam para o mesmo lado ou serei eu que estou a ver mal?


Esta minha dúvida era justificada e séria, mas pelo que li da resposta do actual Presidente do Sporting, não me parece restar qualquer dúvida: «Disse um chorrilho de disparates. Não tenho como dizer de outra forma. Sousa Cintra disse um chorrilho de disparates. Desde o empréstimo obrigacionista, desde o contrato com o Nani, desde a situação do Bruno Fernandes. Sousa Cintra demonstra constantemente desrespeito pelo nosso treinador Marcel Keizer!» Disparate é aquilo que é contrário à razão, à sensatez, ao bom senso; um despropósito, um absurdo, uma tolice. Compreendo o termo no que respeita è afirmação de que se Varandas não tivesse despedido Peseiro o Sporting seria campeão; intriga-me o chorrilho de disparates quando o tema é o empréstimo obrigacionista, o contrato de Nani ou a situação de Bruno Fernandes! Intriga-me e preocupa-me, mas um dia, tenho a certeza, saberemos desses disparates! A poucas horas de mais uma aniversário do Sporting um ex-presidente e o actual presidente brindam-se mutuamente!...

Um recurso popular

No próximo dia 6 de Julho, isto é, no dia da minha próxima crónica, a Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal reunirá de novo para decidir da confirmação ou da revogação da pena disciplinar de expulsão aplicada ao sócio Bruno de Carvalho, ex-presidente do clube, nos termos no n.º 7 do artigo 28.º dos Estatutos. Também o artigo 43.º, alínea g) atribui à Assembliea Geral competência para julgar dos recursos perante ela interpostos. Julgo que nada se diz nos Estatutos ou no Regulamento sobre a tramitação destes recursos. Julgo também que a primeira assembleia geral para julgar do recurso de uma sanção disciplinar ocorreu quando da suspensão de Bruno de Carvalho e outros elementos do seu Conselho Directivo. Na ausência de regulamentação desse recurso, não sufraguei muitas das críticas que fizeram a Rogério Alves, por as considerar, antes de mais, injustas, pois na circunstância acho que fez o que estava ao seu alcance para cumprimento das regras basilares do Direito.


Contudo, mesmo antes de ser aplicada a 1 de Março de 2019 a sanção de expulsão a Bruno de Carvalho, que se advinhava, houve tempo para regulamentar esse recurso, e nada se fez, perdendo-se oportunidade para transformar um julgamento popular num verdadeiro julgamento de um recurso. Foi pena!...


Estive para abandonar a advocacia quando tive que participar, em 1976, num julgamento - então na moda - de cariz popular! Era a época revolucionária, em que afirmação de Zeca Afonso de que é o povo quem mais ordena era levada ao excesso e nada tinha com o 25 de Abril de 1974, consagrado numa Constituição que atribui aos tribunais a competência para administrar a justiça em nome do povo. Incomodaram-me de tal maneira as condições em que tive de defender o réu desse processo, que pensei abandonar a profissão se a justiça seguisse pelo caminho do populismo. Não tinha ainda completado quatro anos de exercício e agora estou à beira dos 47 anos  de profissão, o que significa que a justiça não continuou nessa via, embora tenha trilhado outros caminhos, com os quais obviamente não posso concordar, pelos resultados que todos conhecem e criticam.


Não tenho idade para retroceder nas minhas convicções. É meu direito criticar Bruno de Carvalho e fi-lo muitas vezes. É meu direito julgá-lo politicamente pelo que fez bem e o que fez mal como Presidente do Conselho Directivo do Sporting. Respeito a decisão do Conselho Fiscal e Disciplinar do meu clube, porque os Estatutos lhe atribuem competências para proferir esse tipo de decisões e, se no exercício das suas competências praticou irregularidades, que sejam os tribunais a declará-las. Respeito as decisões da AG do Sporting, órgão ao qual aliás tive a honra de presidir. Mas não me acho capaz, nem julgo ter o direito, de julgar Bruno de Carvalho ou qualquer outro, num ambiente emocional e sem a necessária serenidade para julgar um recurso em consonância com os factos, o direito e com a justiça.


É a segunda vez que se expulsa um ex-presidente. Da primeira, não houve recurso. A segunda expulsão terá o seu recurso julgado na próxima assembleia geral. Não há duas, sem três, mas espero que a haver uma terceira, o recurso seja um acto digno de um Estado de Direito e do Sporting Clube de Portugal!