Chover no molhado
Não foi Jesus que ficou para trás, foram os treinadores mais jovens, e em feliz quantidade, que aceleraram o passo. Não há como evitar a realidade
PERDER com o rival custa sempre, mas desta vez terá sido mais doloroso para a nação benfiquista pela forma como viu a sua equipa encolher-se, aparentemente amedrontada, perante um sporting que chegou à luz e tomou conta do jogo desde o primeiro minuto. ainda por cima desfalcado de duas peças fundamentais, coates, a voz do treinador em campo, e palhinha, a imagem da segurança e da coesão do grupo.
Tudo correu bem a Rúben Amorim, e não foi por acaso, tal como revela a reportagem que recomendo, publicada em A BOLA, na edição de anteontem, assinada pelos jornalistas Rui Miguel Melo e Nuno Reis. Nenhum pormenor ficou por avaliar na preparação do importante jogo e no final foi com incontido entusiasmo que o treinador leonino endereçou os méritos pelo sucesso aos seus jogadores, os quais, sublinhou, continuam a surpreendê-lo por sentir da parte de todos uma infinda vontade de superação. Serão poucos para as necessidades do plantel, mas leais e empenhados na construção de notável ciclo de conquistas. Acreditam no seu líder e gostaram de o ouvir dizer que eles «não valem sacos de dinheiro hoje, mas vão valer amanhã».
Além de investir na comunicação, por saber que o significado da cada palavra dita com propriedade pode ajudar a desbravar o caminho que conduz ao êxito, Rúben Amorim colocou o acento tónico no espírito de família sobre o qual se tem fortalecido este espantoso processo metamórfico que, quase duas décadas depois, entregou o título de campeão nacional ao Sporting e já lhe reservou lugar nos oitavos de final da Liga dos Campeões.
No outro banco, tudo correu mal a Jorge Jesus, e também não foi por acaso. Falhou nas contas, quer na antevisão do que poderia ser o comportamento do adversário, quer na formação da sua própria equipa e na distribuição de responsabilidades individuais, chegando a promover o desnorte generalizado e, como foi por outros notado, dando a sensação de haver menos gente do Benfica em campo, fruto de uma deficiente articulação entre setores, a que acresceu indisfarçável défice de inspiração, ou de aplicação, de alguns artistas, em lances determinantes, como marcar, ou não marcar. Há quem lhe chame azar, mas também pode ser excesso de vaidade, falta de jeito ou aburguesamento de quem não precisa de se esforçar por saber que nada lhe falta. Seja o quer for, creio que pelo menos um golo (Rafa Silva, por adornar em vez de rematar, e João Mário, por inépcia) ficaram a dever aos seus adeptos.
EM relação à estrutura de três centrais, imposta por Jesus para se proteger deste Sporting, que temeu desde o início, são mais as dúvidas do que as certezas. Como argumentam os treinadores, preferiu encaixar-se no sistema do leão em vez de impor a sua identidade. Foi um sinal de fraqueza que Sérgio Conceição, por exemplo, não cometeu, o que não quer dizer que, pontualmente, como já se verificou, não recorra a esse desenho se o considerar adequado. Aliás, dos três candidatos ao título, o Benfica é o que menos preparado parece estar do ponto de vista de destreza tática para responder no momento às surpresas que a competição esconde em cada jogo. Na sexta-feira, penso que essa limitação ficou demasiado exposta.
Foi apenas mais um jogo entre os vizinhos da Segunda Circular, dirão, mas que ajudou a explicar por que motivo Rúben Amorim prescindiu de João Mário e a Jorge Jesus não sobraram elogios quando o recebeu, tendo afirmado que carregava a classe que faltava no seu plantel. Acredito, mas a verdade é que só isso talvez seja de menos para justificar o investimento feito pela águia.
Por outro lado, o treinador leonino nunca se mostrou preocupado com a mudança do médio para a Luz e é capaz de ter razão, pois, até agora, beneficiou mais o Sporting com a promoção de Matheus Nunes do que o Benfica com a contratação de João Mário. Não comparo a qualidade de ambos, apenas assinalo que o leão fez um bom negócio e a águia, se calhar, não tanto. Porquê? Simples, o encanto do futebol que João Mário exibiu em 2015/2016, quando Jesus o treinou no Sporting, perdeu-o na altura em saiu para o Inter de Milão e não mais conseguiu recuperá-lo.
JOSÉ MOURINHO mudou a mentalidade dos treinadores portugueses, incentivando-os a serem mais estudiosos, mais cultos, mais argutos e mais atentos ao que se passa lá fora. De repente, deparou-se-nos uma geração bem preparada na área do treino, que se afastou das discussões na lusa paróquia para abraçar desafios aliciantes noutros países, onde o futebol é apreciado e visto como jogo incomparável, jamais reduzido a tema de gritaria de tasco.
Não foi Jesus que ficou para trás, foram os mais jovens, e em feliz quantidade, que aceleraram o passo. Não há como evitar a realidade. Luís Filipe Vieira deu-lhe riqueza e notoriedade, mas há um tempo para tudo e, com o devido respeito por quem pensa de maneira diferente, continuar a despender argumentação sobre os virtudes e os pecados do atual treinador dos encarnados é como chover no molhado. Este dérbi foi a confirmação disso mesmo, apesar de nada estar perdido, como clamam os seus defensores. Pois não, era o que faltava, em função do valor do quadro jogadores e de quanto ele custou. Mas o problema é outro: o Benfica precisa de futuro e Jesus só tem presente, todavia enevoado.